terça-feira, 13 de junho de 2017

A escola primária, agora será básica, tinha em frente da entrada principal uns arbustos ocos.
Na altura, eram raros os pais, avós e tios que iam buscar os filhos de carro, os petizes habituavam-se a fazer o caminho até casa, acompanhados ou sós. Os tempos eram outros? Talvez fossem as mentalidades outras, que a aldeia é rápida de calcorrear, solitários ou em grupo, acompanhados sempre pelo olhar atento de um adulto lá fazíamos a viagem, quase sempre curta, até casa.
A minha avó raramente me ia buscar, mas lembro-me de uma vez que fiquei na brincadeira e a brincadeira levou-me até aos tais arbustos, devíamos estar a fazer de cowboys e índios ou de outra coisa qualquer, mas vi a minha avó à porta, escondemo-nos dentro dos arbustos, que faziam de túneis. A avó Joaquina fartou-se de esperar, perante a nossa sentinela, e foi-se embora, enquanto a brincadeira durou mais algum tempo.
Lembro-me de um breve raspanete, mas nunca me esqueci dos arbustos, que hoje deram lugar a prédios de habitação.

Também me lembro da "Dona Celestial", que de celeste só tinha o nome, era contínua e achava-se no direito de educar os filhos dos outros à chapada, quase sempre sem razão. As filhas dela andavam mais à larga, coitados dos que ela conhecia de vista, limpava-lhes o pó como gente grande. Nunca percebi o que ela ali ficou a fazer, já depois da idade da reforma, nem como nunca nenhum pai lhe fez frente. O meu ameaçou-a e serviu de lição. Ainda hoje quando a vejo atiro-lhe um "boa tarde" apressado, seco e não lhe dou muita conversa. Medianamente racista, metia-se com todos os miúdos que tinham os pais mais ausentes. Faz-me espécie esta gente que faz profissão numa área que não é, claramente, a delas.

O intervalo era esperado com ansiedade, tanta que despachava o lanche antes de entrar, pouco tempo depois do almoço.
Lembro-me de uma mãe me perguntar, "não almoçaste?" A resposta estava pronta, com algum sentido de humor à mistura, "Almocei, mas é menos tempo que demoro depois a comer, assim brinco o tempo todo."
A minha mulher costuma dizer que sou ligeiramente OCD (obssessivo-compulsivo). Sorrio simpaticamente porque me revejo nessa descrição.
Esta semana adormeci no sofá, acordei perto da uma da manhã e olhei para o telemóvel. Tinha duas mensagens do OLX, alguém queria comprar-me quatro livros que li colocara à venda. Estremunhado, respondi à mensagem, tirei os livros da prateleira e preparei para me deitar, mas os meus olhos fixaram-se no vazio que os livros deixaram na prateleira. Dirigi-me um móvel, que tem mais livros no topo do que deveria ter e fui retirando os livros da frente, para ver se os que estavam atrás, escondidos, eram alguns dos que intuía estarem ali. A tarefa demorou algum tempo, mas escolhi alguns livros que tapariam o buraco deixado pelos outros, arrumei todos os livros que tirara e preenchi o vazio na prateleira.

Demorei pouco mais de meia-hora neste aprumo e dormi profundamente sabendo que o espaço vazio já não se encontrava ali. 

sexta-feira, 9 de junho de 2017

O outro

A versão mais recente de Battlestar Galactica continua actual, acima de tudo é uma série sobre o nosso relacionamento com o outro e a forma como nos relacionamos com o outro quando este nos quer limpar o sebo.
Os Cylons já não são somente robots em lata, mas robots em figura de gente, difíceis de detectar. Os sobreviventes humanos tentam fugir, abrigar-se desta ameaça, mas usam também todos os meios à sua disposição para detectar e exterminar os tão malfadados Cylons. A série incluiu toda uma panóplia de recursos para levar este objectivo a bom porto: torturas (fome, violação, violência física, water boarding), colaboracionismo, populismo, medo, estado marcial, numa discussão ténue entre lei e segurança.
Deixando as questões filosóficas e mais actuais de parte, e mudando a agulha ligeiramente, lembrava-me esta semana, por causa dos textos que escrevi em que a memória ocupa um papel importante, de uma das minhas memórias mais antigas. 
Ainda não andava na escola, o meu pai deixou-me em casa da minha avó, lembro-me de entrar naturalmente e da sala sair uma senhora magra, vestida de preto da cabeça aos pés, com um sorriso natural, que nos beijou, a mim e a meu pai. Era uma tia de visita, não sei quem seria, nem se a vi depois. Era a primeira vez que a via.
Lembro-me de pensar com estranheza na cor da roupa, no negrume que via e que era omnipresente. Apesar das minhas avós vestirem o preto com naturalidade e amiúde. Senti medo, não tanto da velhota, mas da presença cromática dela.
O meu pai despediu-se de mim e fechou a porta, e a velha tia aproximou-se afavelmente de mim. O medo toldou-me e comecei num pranto assustado, numa tentativa de perceber como sairia daquele sítio, defronte daquela presença. Devo ter feito um escarcéu porque o homem não chegou a entrar no carro, a minha avó deve ter ido à janela e ele voltou, boquiaberto com a reacção, penso que sem perceber o porquê daquele estado. Fui com ele não sei bem onde, mas não fiquei ali. O outro meteu- 
-me medo. Não tive tempo ou vontade de compreender ou tentar perceber o outro, fugi da maneira que pude, primária.

Não pretendo verter esta experiência numa qualquer tentativa de entender ou reagir ao presente, é uma experiência que volta e meia me volta à mente. Somos criaturas estranhas por vezes, o medo toma conta de nós e, mesmo perante o familiar, aqui uma parente em casa dos avós, somos reduzidos a uns quaisquer instintos primários.

quinta-feira, 8 de junho de 2017

Paio Pires

Uma aldeia não se define pelo número de casas, ou de habitantes, mas pela proximidade.
Quase sem pensar, quando ouço “aldeia” penso no campo, já passei por aldeias que pouco mais eram do que quatro ou cinco casas, a última vez que passei pela aldeia que me deu o patronímico fiquei com essa ideia, é uma coisa pequena. Mas é para mim, que sou de fora, apesar de levar o nome dela.
Cresci numa aldeia, na margem sul do tejo, à sombra da Siderurgia Nacional, marcada pela poluição severa e sem tréguas de uma fábrica ainda em laboração. Terá sido quando mais cresceu, quando a fábrica convidou ao êxodo milhares de pessoas, que deixando as suas terras para ali foram em busca de uma vida melhor, de trabalho, criando uma comunidade.
Ainda há algum campo a polvilhar as suas fronteiras, não tanto como na minha infância, o "campo do vizinho", onde foram jogadas tantas e tantas peladinhas, deu origem a prédios, alguns, fruto da crise, por terminar há vários anos. O campo do vizinho, a quinta do Botas e outras, de que nunca soube os nomes ou que desapareceram por entre sinapses, deram origem a um bosquezito de betão. O mundo quase interminável de verde para um petiz é agora curto, destripado das árvores e plantas de outrora.
Calcorreia-se rapidamente a aldeia, tantas vezes fiz o caminho até à paragem perto dos correios, por dentro da aldeia, onde em tempo houve um “centro comercial”, duas ou três lojas dentro de uma cave, um talho, uma papelaria e uma florista, resta a florista. Passava pela taberna, onde, em tempos, comi um coelho divinal, também já fechada, pelos avós do V., por um arquitecto, por casas baixas, pequenas, de aldeia.
Conheço gente que cresceu ali como eu, mas que partiu para mais longe, moro ainda nas fraldas dessa terra, a um quilómetro da rua que me viu crescer, mas quando voltam ou falam, fazem-no com saudade e amor por aquela terra, referem-se à aldeia.
Quando ali vou, ver a avó e a tia, ver um jogo de futebol, andando ou correndo por aquelas ruas, perco-me a falar com pessoas que me conhecem desde pequeno, com amigos e colegas de escola. O passado é o que queremos fazer dele, mas nunca se torna tão presente quando o revivemos em breves conversas e o trazemos para um presente perene.
A aldeia era as vizinhas à janela, quer fizesse sol ou chuva, de manhã e à tarde, tarefa interrompida somente pelo afazer das refeições, vizinhas que relatavam as horas de chegada e partida à mãe quando esta chegava a casa. Era a vizinha do Arrais, também ela Arrais, vizinha do 3º esquerdo, que me dava de vez em quando um livro de banda desenhada porque sabia que gostava de os ler, que levava uma galinha caseira à minha mãe, para ela fazer uma canjinha para “os meninos”, era o Zé, na casa em frente da janela da cozinha a encher o quintal de lixo, o Zé que partiu o ano passado, era as brincadeiras de verão, na rua, até que os pais nos chamassem, era o não ser amigo de todos, mas conhecer-mo-nos a todos, eram quatro ou cinco ruas, íamos todos para as mesmas escolas, apanhávamos todos os mesmos autocarros.
Perdi um bocado deste espírito, nunca fui desportista, preferia ficar a ler em casa do que ir para a rua, mas revejo-me nesta comunidade.
A aldeia era o Rato, que vendia livros de cowboys e outras coisas que não me lembro, sempre e só os livros, na praia da Lagoa, que ali teve uma loja, era o Ti Cardoso, conterrâneo da avó, ás do bilhar a tentar ensinar-nos, a mim e ao meu irmão, a jogar snooker, “Tu não tens muito jeito para isto”, pois não, Ti Cardoso, pois não. É a mercearia da Bina, onde vou desde pequeno, é o café do Rogério e do Chico, que hoje é do Parreira, que nos tenta com o cheiro da comida, é sair de casa da avó almoçado e ficar com água na boca. É o Pinto, agarrado a um taco de snooker, sem saber o que fazer e “vai lá disto”, uma esticada sem rei nem roque e a bola a entrar, uma qualquer, mas das dele! É o Sim Sim e a mãe Zilda, que tanto habitaram a minha infância, é a Bina e o Borges, é o Zé e a Lena, são tantos nomes, alguns dos quais esquecidos ou nunca completamente guardados pela minha mente que é mais visual.

É entrar em terreno familiar, é cumprimentar e ser cumprimentado, é calcorrear memórias e espaços que nunca deixaram espaço para a saudade porque sempre ali estive, mesmo não morando lá há mais de vinte anos. E se sou um tipo mais recatado, mais calado, mais introvertido, se não joguei à bola no PPFC, se nunca fui a muitos jogos de futebol ou se parei nos mesmos sítios que aqueles que cresceram comigo, é difícil arrancar este sítio de mim. Querem o quê? É uma aldeia, é feita de proximidades.
Tenho-me lembrado do D., nascido no mesmo mês que eu, morto aos dezoito. Não terá sido a primeira vez que lidei com a morte, mas foi a primeira vez que um amigo de infância morreu. Sabia que estava no hospital. Nas festas do Seixal, em 1998, perguntei a um amigo por ele, entre uma bifana e, provavelmente, uma cola, a notícia entalou-se-me na garganta, entre a música alta, o fumo de grelhados e os amigos que se iam encontrando, a escola a terminar, os exames à porta, o “sonho” da faculdade a obrigar alguns a estudar e aquele baque, o D. morreu. O D. já não vai para a faculdade…
O D. que me acompanhou no percurso escolar desde a primária, de sorriso fácil e sincero, o D. que atropelou um carro, a caminho do café, enquanto esperávamos pelo autocarro, para comprar gomas, nós a rirmos, a condutora a olhar para o carro, aterrada e o D., atrapalhado e semi-assustado, a levantar-se para voltar ao percurso interrompido.
O D. que tantas vezes fazia comigo o caminho a pé da escola até casa, não porque não tivéssemos passe, mas porque não tínhamos paciência para esperar pelo autocarro, vínhamos, ele, eu e mais alguns, estrada fora, com paragem obrigatória em dois ou três sítios que tinham máquinas de jogos. Guardávamos religiosamente uma ou duas moedas para aqueles cinco, dez minutos de futebol ou wrestling electrónico.
Tínhamos aulas ao sábado e enquanto esperávamos pelo autocarro, íamos até à outra paragem, mais longe da habitual, porque tinha um café com tv, que dava o wrestling narrado pelo Tarzan Taborda e íamos vendo, rindo e simulando um ou dois golpes.
Lembro-me do D. andar à batatada com o I. e uma ou duas horas depois não ser nada, amigos como dantes. Será que é assim ainda hoje? Será que não seríamos todos enviados à direção da escola, com uma suspensão na agenda? O D. a colocar o braço do I. por cima dele e a dizer ao professor, olhe o I, está-me a bater. E o I. a ser mandado para a rua, a enviar cadeiras ao ar, a bufar de ira. E os três a irmos a pé para casa, depois, como se nada tivesse acontecido.
O tempo limpa as memórias, mas também as aguça. Os mortos, e são poucos ainda, vão aparecendo de vez em quando, pontilhando com saudade alguns locais, alguns sentimentos.
Tenho-me lembrado do D.

Março 2014


Montejuntos (ou Montes Juntos) é uma pequena aldeia pespegada junto à fronteira. Ao lado corria-lhe, só e orgulhoso, o Guadiana, hoje vê-se água como nunca se viu, como se a água do dilúvio teimasse em secar, o Alqueva serve de moldura a uma paisagem ora verdejante, ora amarela ressequida, a tender no fim do verão para o castanho seco, quente.
Montejuntos sempre esteve demasiado longe e ao mesmo tempo perto. A viagem durava quase quatro horas (hoje a viagem faz-se entre duas e duas horas e meia), horas em que a cassete de cante alentejano do progenitor dava a volta várias vezes, a minha humilde cultura musical no que ao cante diz respeito é fruto dessas viagens. Vendo Monsaraz o coração batia mais forte, a viagem aproximava-se do fim, a estrada agora acompanhava as aldeias distribuídas ao longo do campo, sprint final duma corrida muitas das vezes noturna.
Os topónimos são-me familiares, Évora, Reguengos, Monsaraz, São Pedro do Corval, Motrinos, Cabeça de Carneiro, mas também Vila Viçosa, Mourão, Terena, Barragem do Lucefécit, são etapas da viagem, de viagens, são locais presentes nas conversas, nas vidas que ali habita(va)m.
A aldeia é pequena, um largo com três cafés, duas mercearias, cafés que, na minha infância, eram o ponto de encontro de todos os homens da aldeia, velhos e novos, habituei-me a ver ali os anciãos a dar dois dedos de conversa e despejar outros dois dedos de tinto, de cigarro ao canto da boca. Hoje os cafés estão vazios, a gente é pouca, a vida é feita a alguns, vários, muitos, quilómetros, o fim de semana enche a aldeia de vida, incha-a um pouco, por um pouco. Os velhos da minha infância já não moram ali, foram morrendo, alguns com idades bonitas, já não vejo muitas das caras e corpos presentes na minha memória. A aldeia despojou-se de gente, mas o largo continua igual, caiado de branco, nenhuma casa nova, a fotografia mental corresponde ao que vi.
Montejuntos era o tio Chico, um homem grande, de sorriso fácil, amoroso e duro. Que amava os sobrinhos, que se pelava por os ter ali. Lembro-me de ir com ele à água, na carroça puxada pelo Manjerico, um burro que habitou toda a minha infância e um pouco mais além. Um homem do campo, que ali toda a vida labutou, que cuidou de gado, passámos um natal numa herdade com ele, uma casa enorme, gigante, fria, incómoda (num inverno dos mais frios e chuvosos que que tenho memória) mas que habita ainda as minhas memórias mais quentes. O Tio Chico que nunca nos deixou fazer amizade com as ovelhas, não são animais de estimação, de casa, são de sustento. O tio Chico que vi uma última vez, sem uma perna por causa dos diabetes, já cego, apertando-me sem me poder ver, a mim de lágrima ao canto do olho, a despedir-me antecipadamente. Ontem, revi com alegria a Ti Antónia, metro e meio de mulher, viúva, mas mulher grande, divertida, afável, e vi o meu tio Chico, no filho, também ele Chico.
Os verões eram quentes, alguns pareciam chapa em lume, antes de almoço éramos irradiados do mundo, enfiados dentro de casa, podíamos descer rapidamente a rua até casa do Tio Chico, mas o sol, o calor, o suor impedia-nos de estar na rua, quase sempre com uma bola, onde as vacas passavam de manhã e à tardinha rumo à vacaria, hoje já não há vacas, a vacaria é um espaço vazio, um espectro de uma realidade ainda minha vizinha. Os verões eram as escondidas à noite, entre as crianças da aldeia e os primos, sobrinhos que ali passavam uma temporada.
Os verões eram a pesca ou a caça dos adultos, acompanhados em brincadeiras petizes. Dormi várias vezes num moinho, passando ali o dia, dentro de água, de rabo para o ar à procura de espargos, respirando o ar puro do campo, vendo Espanha do outro lado da margem. Espanha era no outro lado da margem, era no monte que se via ali ao longe, sentado no muro, onde parti o pulso na véspera de fazer anos, mil novecentos e oitenta e sete? ou nove? Tiago, desce do muro que partes um braço. Tiago, desce. Já não ouvia o meu avô, nenhum neto ouvia, ele antecipava tragédias, um passo dado por nós era desculpa para um aviso, dito, repetido, ecoado durante largos momentos. Tiago desce do muro. Avô, se partir um braço fico com outro. Fiquei com os dois, a bem dizer, verdade das verdades, mas no dia seguinte soprei as velas de braço ao peito e o avô repetia Eu disse-te, não te avisei? Espanha era também na televisão, a TVE e a Antena 3, os jogos do Real e do Barcelona, também do Futre no Atlético. Era estar com os primos, na rua, dentro de casa, sempre juntos.
Montejuntos era a festa, vacas na praça, rifas, chuva. Ainda hoje as vacas estão ali, uma vez por ano, a correr atrás dos rapazes, toda a aldeia unida em torno daqueles animais, lembro-me duma a entrar por uma porta, gritos femininos, louça a partir-se, e regressar à lida da festa, atrás de rapazes, de homens, homens e mulheres empoleirados em troncos, em “carros”, a comer, a rir, a rever família.
Montejuntos é uma pequena aldeia com largos, imensos laços familiares. A cada passo, a cada esquina, a cada novo dia cumprimentava um parente. Ontem, de todos aqueles que vi e com quem falei, dois ou três não eram familiares, mas alegraram-se em me ver, em me reconhecer, um sorriso largo, memórias de um passado recente, a mim afluíram-me várias. E eu, qual filho pródigo, que em dez anos ali fui, o quê?, cinco, seis vezes? a mim reconheceram-me melhor do que à minha mãe que duas, três, quatro vezes, todos os anos visita a terra, a família. Um primo, envelhecido, esqueci-me do nome dele, dá-me um passou bem e trata-me pelo nome. Montejuntos é isto, é família, um local que é casa, mesmo que já não a reconheçamos, que não visitemos como deveríamos, uma casa onde a família é incansável, onde cuida de nós de modos que nos, a mim, pelo menos, envergonha. Onde todos são família, mesmo não o sendo.
Ontem lembrei-me do brunhol, que é o mesmo que dizer farturas, de manhã, no largo da aldeia, feito por uma prima. Lembro-me de pequeno-almoçar leite, ou tofina, ou brasa com brunhol. Ontem, trouxe filhoses, nógado, doces caseiros, tradições carnavalescas, mas também trouxe chouriços, chouriças, farinheiras, um peru inteiro, envergonhado pelo carinho, amor, cuidado que a família nos dispensa.
Montejuntos é lá longe, tão longe que por vezes me esqueço, é tão perto, está tão dentro de mim… ontem voltei por três horas, visita rápida, mas as memórias encheram a barriga, o coração relembrou-se disto, daquilo e de pessoas que habitaram a minha vida.
Montejuntos é uma aldeia pequena, mas é tão grande, tão grande…

quinta-feira, 9 de março de 2017

O Caso da Nova


Não concordo com Jaime Nogueira Pinto na maior parte das vezes, é um facto, isso dar-me-á liberdade para o ouvir ou não. Impedi-lo de falar parece-me mais preocupante.
A Direcção da FCSH evitou o evento por não estarem reunidas as condições de segurança necessárias. Não há polícia? Não há castigo para os prevaricadores? Estamos a apaparicar uma cultura de medo? Isto vindo de uma faculdade que me parece presa e amordaçada a uma AE. Quem manda na FCSH, a AE?
O caso redundou na acusação de que o evento viria de uma associação com simpatias fascistas. Ora bem, deixem-se ser cínico e foi uma resposta que dei, enquanto aluno, a vários companheiros de faculdade. Os comunistas mataram mais, matam e prendem ainda hoje, do que os fascistas - poderá ter sido uma questão da dimensão dos países onde estes regimes foram instituídos... Por que é que eu olho para o fascismo de forma negativa e não para o comunismo? Por ter passado pelo primeiro? Por não ler a história do século XX? Por ignorar objectivamente as acções desses regimes porque tenho os mesmos ideais? (Lembro-me de uma declaração de Bernardino Soares acerca da Coreia do Norte, lembram-se?)
Tenham os heróis que quiserem, mas sejam coerentes. Não estou a defender o fascismo, estou contente em democracia, mesmo nesta! Prefiro-a, mas ver comunistas/bloquistas a defender a liberdade sem um mínimo de coerência para com os resultados de ambos os projectos políticos (de extrema direita e de esquerda), onde estes foram instituídos, parece-me um programa de futebol (deixo de fora o redundantemente "mau").
Nota pessoal: sempre me fizeram estranheza os comunistas/bloquistas da FCSH do meu tempo que, sendo de esquerda vinham de famílias com bem mais rendimentos do que eu, viviam à conta dos pais e das bolsas que conseguiam sem se saber muito bem como e eram gastas na farra. Será uma generalização, e como todas corre o risco de não ser totalmente exacta, mas abarca aqueles que, pertencentes às AE do meu tempo, conheci melhor. O que é que isto tem a ver com o caso? Continua a ser uma questão de coerência, a meu ver, claro!

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

Sonhos 3

Acorda cansado, como de costume. Mais uma vez não sonhou, desde que ela morreu que não sonha. Não, não é uma metáfora, é a triste realidade, nem nos sonhos, ou pesadelos, a vê. 
A morte quando a levou, levou-a do seu interior. Ela habita a casa, ainda, nas fotografias, na decoração, nas plantas que tenta não deixar morrer à sede. Por vezes, há cheiros que a relembram, como se ela estivesse ali ao seu lado. O velho videogravador comeu a cassete de vídeo que via, vez após vez, para ouvir-lhe a voz, o riso. 
Fecha os olhos e chora. Gostava tanto de sonhar com ela!

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

Sonhos 2



Abre os olhos, na penumbra do quarto. Sente o calor do corpo da esposa, há uma luz ténue a sair pelos estores. O silêncio esperado é quebrado pelo breve ressonar da esposa, vai virar-se para o lado quando outro som o acorda um pouco mais.
Alerta, tenta identificar o que ouve, sem grande sucesso. Ouve um som metálico, e por trás deste, menos audível, um som repetitivo, uma voz. O que ouve dura dois segundos. Pára e volta a soar, durante dois segundos. repetindo-se.
Vira-se de costas para a esposa e tenta perceber se o som é o despertador, o rádio, o telemóvel de um dos vizinhos. Deve ser isso! Mas está demasiado perto...tenta adormecer.
O ressonar dela mais audível. Bem como o som metálico e uma palavra, "erro".
Clink,"erro".
Muda de posição, encosta-se à esposa, que continua a ressonar. O som torna-se ligeiramente mais audível.
Clink. "erro".
A luz, agora mais forte, incide sobre o rosto da mulher, que está deitada de lado. Olha para ela e percebe que a orelha está num ângulo estranho, coloca o ouvido ao lado da orelha dela e percebe que o Clink, "erro", vem de dentro dela.
Admirado e surpreendido, temerosamente agarra na orelha e coloca-a na posição correcta. O som e a voz páram imediatamente, ela levanta-se, coça a orelha, coloca o dedo indicador no interior da mesma, o dedo todo, que roda uma e outra vez, não olha para ele, os olhos estão fixos num ponto, a boca abre e fecha. Quando puxa o dedo, este traz a orelha com ele. Ele olha para aquilo com surpresa e medo. Agarrados à orelha, fios e um líquido preto que escorre para cima da cama. "Óleo", pensa, e acorda!

Foto de Sara Luzia Falcoeiras.

(desenho da esposa - @ The Weight of Dreams )

Sonhos 1

Acorda irritado. 
Não consegue identificar a razão da irritação, ou melhor, sabe que é decorrente do sonho que teve, mas este foi levado pela amnésia de Morfeu. Por um lado, irrita-o sonhar e não se lembrar do que sonhou, por outro irrita-o sentir os resultados “anímicos” do sonho e não perceber a razão de tais sentimentos.
Sentado na sanita, ainda sonolento, tenta mergulhar dentro de si...volta a deitar-se e tenta embalar-se numa sonolência pouco natural, ainda assim, tem sucesso! Lembra-se da cara de uma colega do preparatório, a que não consegue associar o nome. Continua no estado de irritação, por um lado, porque tenta lembrar-se de um nome demasiado enterrado nas suas memórias, por outro lado, porque tenta lembrar-se do conteúdo do sonho e das razões de tal irritação.
Sem conseguir adormecer, lembra-se que a colega era gira, simpática, que tinham um relacionamento normal, nada que explique  a irritação...ah! no sétimo ano, quando os rapazes tentam afirmar-se de diferentes formas, um dos colegas, mais velho, atirava-se descarado a ela. Para parecer o macho alfa mais adequado, gozava com ele e ela ia na cantiga. Talvez tenha sido isso que sonhou, sabe que foi, um grupinho junto, o outro a gozar com a camisa dele, com o estrabismo, com sabe lá o quê, e ela a rir, a dizer que sim, a acrescentar alguma coisa. E ele calado, tentando argumentar uma ou outra vez, mas perante o chorrilho de críticas cala-se.
Levanta-se da cama, satisfeito com a análise semi-Freudiana, mas estupefacto com a acuidez do seu subconsciente. Não consegue identificar nenhum acontecimento que levasse a um sonho destes, nem se lembra do nome dela, nem do outro, nem das caras ou de qualquer outra característica. 
Porque sonhamos, com que objetivo? Lembrou-se vagamente de duas ou três pessoas, perdidas no percurso escolar, amigos durante algum tempo, mas desaparecidas, da vista e do coração, há imenso tempo.

Deixa que a irritação escoe, lava-se, come qualquer coisa e sai de casa! 

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

Hell or High Water


Hell or High Water (Custe o que Custar) é um dos grandes filmes dos últimos anos e dos melhores de 2016, a nomeação aos Óscares é merecida, está nomeado para Melhor Filme, para Melhor Ator Secundário (Jeff Bridges, no papel do velho polícia Marcus Hamilton), para Melhor Argumento Original e  Melhor Montagem.

Tanner (Ben Foster) e Toby (Chris Pine) Howard são dois irmãos que roubam pequenas dependências bancárias para arranjar o valor necessário para pagar a hipoteca do rancho que pertencia aos pais, e onde foi descoberto petróleo.

Hell or High Water é um filme actual, uma fotografia de uma certa América, em que o inimigo é um banco (!), que não entra em pregações desnecessárias, mas mostra, mais do que o lado humano, presente na figura dos dois protagonistas, o lado geográfico e social, os planos do Texas, marcados pela exploração de petróleo, pelas planícies vazias, pela vida diária das pequenas populações, pelos bancos e placards/posters publicitários das ofertas de empréstimos. O filme mostra a realidade de uma América longe da prosperidade, numa terra de ouro preto, conquistada não já pelos brancos, mas pelos bancos.

O Texas que nos é apresentado já não é o dos westerns, das planícies que prometiam nova vida e riqueza, mas o de uma América mal acordada de um sonho mau, em que o american way of life parece estar a escapar entre os dedos. Hamilton brinca maliciosamente com o índio, seu parceiro, em diversas conversas, continuando a "luta" entre brancos e índios.

O elenco e as interpretações são sólidos, há momentos deliciosos, por exemplo, o primeiro assalto, com um velhote a sacar da arma, a cultura de armas americana, ainda para mais no Texas, é deliciosamente ilustrada nesta e noutras cenas; Jeff Bridges irrita (no melhor dos sentidos) como Marcus Hamilton, um polícia a dias da reforma, que fala como se tivesse a boca cheia de favas, vencendo o round interpretativo no confronto final com Chris Pine. Há momentos ilustrativos da cultura texana e dos problemas dessa região, o Rock evangélico a soar na rádio, os casinos.

Não é um fime sujo, mas não tem a estética limpa de outros, os assaltos são realizados de forma pouco artística, sem grandes coreografias- É road movie cru, com ligeiras incursões ao ambiente de Cormac McCarthy, ligeiramente violento, mas conciliador, não é moralista, mas acredita em segundas chances, o que é um risco. Corria o risco de glorificar a violência, ou a ideia de que os meios desculpam os fins, não o faz de forma efectiva, opta por valorizar os laços entre os dois irmãos, criticar a acção dos bancos na vida dos cidadãos comuns, culminado na tentativa de criar algo bom e duradouro.
É um belíssimo quadro melancólico, doce-amargo, que me concilia com o cinema americano moderno, cheio de efeitos especiais, com pouco conteúdo ou com muito estilo e pouco conteúdo.
Altamente recomendado.







"I have been poor all my life. My parents and their parents before them, is like a disease, passing from a generation to generation (...) and now my boys, not anymore."

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

- Sabe, faz-me confusão a importância que se dá a inaugurações de hiper, super ou mini-mercados. Existem tantos, de tantos grupos económicos e particulares que fazer disso um acontecimento parece-me descabido.
- Hum, hum...
- As pessoas, aliás, tendem para um certo saudosismo para com o passado, o manual, o feito em casa, o tradicional e depois metem-se em shoppings, supermercados e não compram nada no comércio tradicional ou ao produtor. Fazem-me espécie as feiras do queijo, do vinho e do fumeiro das grandes superfícies.
- Ah, sim?
- Sim, gente que compra um produto falsamente tradicional, embalado e produzido sabe-se lá onde, com uma marca "mais ou menos" registada, com um selo a dizer "tradicional" e ficam animados com isso.
- Pois...mas desculpe que lhe pergunte...
- Pergunte, pergunte...
- Com ou sem Número de Contribuinte?
- Sem, obrigado.

A rapariga passa o cartão na máquina, deseja-lhe um resto de bom dia e olha para a fila interminável de clientes, que enche a loja no dia de inauguração. O ser humano é uma criatura estranha, mas auto censurável como aquele homem não se lembra de ter visto.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

Segundas Hipóteses

Uma maldição, nas histórias de terror, é muitas das vezes uma promessa. Promessa de vingança, de terror redobrado, em Harrow County parece ser uma promessa de renascimento, de renovação da natureza da personagem principal.

Harrow County começa assim: "As gentes de Harrow County condenaram a bruxa à morte...mas a bruxa não morreu facilmente. Hester Beck tinha sido alvejada, esfaqueada, espancada...e, por fim, enforcada pelo pescoço. Contudo, ela tinha sido um deles...uma vizinha e... por vezes...uma amiga...e os que a mataram ter-lhe-iam dado um enterro digno e a extrema-unção...mas a chuva deixou as páginas da Bíblia em branco. Em vida, Hester tinha sido uma curandeira. Curava debilidades e doenças com feitiços murmurados...afastando-as com tanto à-vontade como se afugentasse gatos vadios.

Estes amigos e vizinhos homicidas sabiam... que, tal como Hester podia curar os outros...também podia curar-se a si mesma. Por isso condenaram-na à bala, à lâmina, ao laço... e, por fim, ao fogo. Mas mesmo até enquanto a sua carne ardia do osso...Hester agitava-se e silvava. "Não é o fim...nunca é o fim para mim... eu vou voltar... outra vez... fiquem atentos e preparem-se... seja para cuidar ou matar... mas eu voltarei a ver-vos a todos!""

Harrow County começou por ser um romance e foi transformada em série de BD, talvez isso explique a escrita, cuidada, ambiental, soturna. Uma escrita que podia parecer desajustada num "mero livro de BD", caso fôssemos trôpegos e singelos de mente.
É dos casos mais flagrantes da beleza de sincronia entre texto e imagem, os desenhos de Tyler Crook, pintados a aguarelas, caem que nem luvas no texto de Culenn Bunn, numa simbiose perfeita de estranheza e beleza mórbida.

A história avança para o dia a dia entre Emmy e o seu pai, e rapidamente percebemos que Emmy será a maldição prometida, o regresso de Hester Beck. O primeiro volume deixa mais perguntas do que respostas, mas coloca Emmy perante essa descoberta e a necessária resposta, será que a natureza miraculosa, entretanto descoberta, dará lugar ao caráter maléfico e demoníaco explicitado nas primeiras páginas? Por enquanto, não! Emmy cresceu num ambiente controlado, sentindo-se amada. É uma jovem que quer descobrir o mundo, mas que gosta do mundinho em que cresceu. Sente uma dívida para com o pai que a criou.

Harrow County começa, logo neste primeiro volume, a criar a sua mitologia, O Rapaz sem Pele, os fantasmas, O Abandonado são criaturas sobrenaturais que habitam a região e que, alguns, defendem Emmy, abrindo-lhe o caminho para a descoberta da sua natureza. Se esta descoberta alterará a sua "moral"(se cuidará ou matará) é algo que fica em aberto, mas Emmy toma algumas decisões que mostram que está consciente do seu poder e que o usará, sempre que necessário, mata quando tem de matar para se defender, mostrando a sua força de carácter.

A árvore em que Hester é enforcada é uma das personagens deste livro, parte integrante da história de Harrow County, da bruxa, dos sonhos de Emmy, é "junto" a ela que Emmy descobre o seu passado negro, algumas das mais belas páginas do livro (Emmy no quarto, com o Rapaz sem Pele, e os habitantes de Harrow County junto à árvore, fazendo planos para se salvarem).

A natureza de Hester Beck e dos seus atos começa a ser desvelada, há milagres, há curas, há pactos e relações com o demoníaco que deixam entrever mais revelações. Somos apresentados a uma Hester que é também demiurga, que papel e qual a extensão da sua criação são perguntas para serem respondidas em números futuros.

Um belíssimo e sólido primeiro volume que nos leva a uma região escura, estranha e "maravilhosa", cheia de mistérios, que descobriremos passo a passo acompanhando a jovem Emmy no seu desabrochar. Estará para cuidar ou para matar? O segundo volume já não demora muito.






sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Lala Land

Não gosto de musicais, não sei se vem dos filmes de Bollywood que a minha mãe via e que nós víamos com ela, em pequeno; não sei se vem de ter dançado (surpresa!), num clube de inglês, no 5º ou 6º ano, uma cena de Serenata à Chuva e de ter visto essa cena perto de uma centena de vezes.
Sei que sinto uma espécie de urticária sempre que as personagens começam a cantar e a dançar, avançando ou não a narrativa; escusam de me tentar convencer das maravilhas e qualidades de Música no Coração, dos filmes de Astaire e Rogers, de Grease, Os Miseráveis, Fantasma da Ópera e quejandos, fujo deles a sete pés.
Gosto de um musical, Moulin Rouge, que vi duas vezes, ambas em cinema, pelo visual feérico e pelas músicas contemporâneas que usa. Não sei se envelheceu bem ou mal...
Quando Lala Land foi nomeado para um número sem fim de Óscares, batendo ou igualando o feito de Titanic decidi que tinha de o ver, mais não fosse para o comparar com um dos meus ódios de estimação, o tal Titanic, e para poder dizer mal dele.
A verdade é que a única coisa que sabia de Lala Land é que era um musical, da história nada. Fui às escuras, mas saí a ver a luz, pelo menos uma luzinha.

Lala Land é sobre o relacionamento entre dois aspirantes, ele, músico de jazz envolto numa cultura que já não conhece e ama o jazz, sonha abrir um clube de jazz, onde possa dar a conhecer o que tanto o preenche; ela, aspirante a atriz, funcionária numa cafetaria.
Os primeiros dez minutos foram sofríveis para mim, depois de uma cena cantada e coreografada (na minha modesta opinião, sem grande chama e originalidade, pouco mais é do que uma flash mob), mais uma cena a filmes musicais, com Ema Stone a cantar com as colegas de casa (e a urticária a crescer).
Mas assim que o foco passa para Sebastian (Ryan Gosling) e o seu piano, o filme começa a crescer de interesse, para mim.
Como não gosto de musicais, a minha mente tentou explicar-me, durante o filme, porque é que não podia gostar do filme, e confesso, há várias coisas que me passaram ao lado ou que me desagradaram.
Tem gente a cantar e a dançar (eu sei, estou a repetir-me; mas o Gosling a cantar não me convenceu - uma espécie de Harry Connick Jr. sem chama); tem algumas músicas mornas, inicialmente, mas ao ouvir a Banda Sonora a noção de conjunto é impecável, há ali uma temática e unidade invejáveis; há o John Legend (sorry, não sou perfeito); há planos e efeitos visuais recursivos, que perdem a piada ao longo do filme (o plano que escurece para iluminar somente o(s) actor(es)); uma cena que é demasiado kitsch (a do Planetário), mas em que se percebe a intenção, ainda que esta falhe.
Mas a realização é competente e minimamente interessante, tenta glosar alguns planos mais clássicos dos musicais tão caros à Hollywood da década de 30 e 40, ainda que tenha claras influências da geração do telemóvel na mão; tem um sentido de humor delicioso; é despretensioso; tem uma boa banda sonora; o filme pode ser visto quase como uma música de Jazz, há variações, pontos de vista diferentes, diversos "andamentos"; talvez pelo papel do piano, e de uma ou outra citação, fez-me lembrar de Monk; o final foge ao cliché habitual e fecha o filme com um toque de melancolia, que segundo a esposa perpassa todo o filme.
Os musicais da Hollywood antiga eram o produto do star e studio system, este não é, mas traz alguma nostalgia aos dias de hoje homenageando o jazz e o cinema, com tino e sensibilidade.

Uma boa surpresa, ainda mais para mim, que não gosto de musicais (eu sei, já não me repito mais).