terça-feira, 6 de setembro de 2016

Que fim levou Juliana Klein?

O meu conhecimento de literatura brasileira contemporânea é limitado, assim de repente, li Dráuzio Varela, Ferréz, Otavio Frias Filho, Marçal Aquino, Rubem Fonseca, Chico Buarque e pouco mais, se a memória não ajuda é porque não marcou, o que pode ser injusto, mas esse é o problema da memória. 
Aproveitei um amigo vir do Brasil e fiz uma lista de quatro livros, ele conseguiu trazer dois livros e a inveja de me enviar fotos de um sebo onde comprou um deles.
Escrevo hoje acerca de um deles, o segundo romance de Marcos Peres.


Que fim levou Juliana Klein é um policial filosófico passado em Curitiba, que tem como centro a rivalidade entre duas famílias alemãs de docentes universitários (os Koch e os Klein) de duas das universidades de Curitiba (os Koch na PUC e os Klein na UFPR). O romance é composto pelos "ditos e os delírios" de um paciente, que se encontra numa clínica psiquiátrica. Sendo um policial há mortes a rodos, mortes que põem a descoberto a história e conflitos entre as duas famílias e que deixam o delegado Irineu de Freitas de candeias às avessas. Mas a narrativa para além de ser narrada por um paciente clínico, delirante, que só saberemos quem é no final do romance, é também desestruturada temporalmente. Os acontecimentos datam a 2005, 2008 e 2011 e são narrados não linearmente. E este é um dos aspectos vencedores do romance, ou seja, se os acontecimentos já são narrados de um ponto de vista subjectivo, não havendo a certeza de veracidade de tudo o que é contado, a construção e interpretação dos mesmos também dependerá do próprio leitor, um intérprete meio perdido que tentará deslindar o que aconteceu, chegando ao clímax do romance onde ele próprio encarna o papel de investigador, tendo a seu cargo a escolha de uma das três conclusões aventadas pelo coligidor.

As desavenças entre as duas famílias, que começam na Alemanha e continuam no Brasil, são diversas, há razões humanas, filosóficas e amorosas.  As divergências filosóficas estão no centro dos conflitos,  mas a avaliação por parte do leitor e do investigador nunca é final, porque novos dados vão sendo dados e outros descartados. 

Que fim levou Juliana Klein? foi uma leitura rápida e a roçar o patológico. 

O humor do livro é delicioso, há piadas que navegam o livro todo, como a contratação de um treinador pela quarta vez pelo Atlético Paranaense, carne para canhão, a direcção mesmo convencida de que o homem não é grande coisa e que mais tarde ou mais cedo o despedirá contrata-o - "Ver no passado o futuro também é coisa da página de esportes da Gazeta". 

Os capítulos curtos e aparentemente simples são precedidos pelo prefácio, uma cronologia de acontecimentos relativos aos Koch e Klein e pela árvore genealógica das duas famílias. Demorei algum tempo a ambientar-me e a atribuir a importância devida ou não a estes dois últimos.

Os diálogos são um dos aspectos vencedores do livro, aliados à descrição e espessura psicológica das personagens. A ambiência e relacionamentos entre as personagens pareceram-me a início básicos, fúteis, não muito verosímeis, mas à medida que ia lendo ia ficando cada vez mais convencido com a estrutura narrativa e a complexidade psicológica das personagens, nomeadamente do delegado Ireneu, a sua personalidade e descida aos infernos, o relacionamento com os Klein e as perturbações consequentes na investigação humanizaram-no e deram-lhe verosimilhança. Não acho que o livro seja um romance policial negro por definição, mas Ireneu entra nesse universo com distinção. 

Há aspectos culturais e literários que passeiam pelo livro sem percebermos a sua real importância num primeiro momento, a alusão a Romeu e Julieta vai habitando o nosso subconsciente como uma explicação (razão?) para determinados acontecimentos, mas somos bombardeados por excertos de A Divina Comédia de Dante, pelo conceito Nietzcheano do eterno retorno, e por porta-chaves do Sponge Bob.

Concluindo, gostei bastante deste livro, em primeiro lugar pela estrutura narrativa, que sendo arriscada é vencedora. Funciona como a estrutura de Pulp Fiction, se a colocarmos pela ordem, como sugere a determinada altura o Prefácio, a narrativa perde força, a "piada" do livro está na construção e compreensão que vamos fazendo; por outro lado, se o clímax dos romances policiais está na sua objectividade, o final de Que fim levou Juliana Klein? é tão subjectivo quanto possível, podendo até haver outras resoluções mais óbvias e coerentes. E aí está uma das forças do livro, colocar-nos na posição de investigador e indagar sobre o que lemos, há informações "subliminares" que não são encaixadas nas versões finais e que fazem parte da avaliação que o leitor vai fazendo. Finalmente, as surpresas ao longo da leitura, ainda só o li uma vez e, como disse, rapidamente, mas imaginava o paciente outra personagem, o que influi na leitura dos acontecimentos e narrativa.
Concluindo, um verdadeiro e bem sucedido Tour de Force. 
Tenho de arranjar o primeiro romance de Marcos Peres!

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