terça-feira, 4 de fevereiro de 2020

Blackkklansman de Spike Lee


Blackkklansman de Spike Lee conta a história de Ron Stallworth (John David Washington), o primeiro polícia negro de Colorado Springs, que consegue "infiltrar-se" no Klu Klux Klan, na década de 1970, sendo negro e havendo vontade da organização em conhecê-lo é o detective Flip Zimmerman (Adam Driver) que toma o seu lugar, mantendo-se Ron como a mente e voz por trás da infiltração. A voz é motivo para várias piadas ao longo do filme, porque os supremacistas acham que conseguem identificar um negro seja pela voz, seja pela forma de falar.
Spike Lee realiza um filme sui generis na forma como trata a história, há uma série de coisas habituais em filmes sobre racismo que Lee não faz, há um caminho que acaba por não percorrer e o filme não perde com isso, pelo contrário. O que quero dizer com isto?
Ao terminar o filme pensava em Mississipi Burning que revi há uns meses, filme sobre crimes raciais, em que o background de criminosos e polícias é escalpelizado, há uma atenção à descrição da maneira de pensar, da "racionalização" por trás do racismo na mente do racista, o Sul racista é-nos tanto apresentado como definido. Mesmo The Green Book parece-me mais formatado, tanto na escrita, como nos momentos de humor, é mais expectável. Ora, Spike Lee perde algum tempo com a descrição psicológica das personagens, maioritariamente através das imagens, cabe ao espectador defini-las, mas não perde tanto tempo com a explicação do acto, antes filma-o em diversas nuances, há o racismo para com negros, mas também contra judeus, há o racismo explícito, mas também o velado, há o racismo presente nas forças policiais, mais ou menos tolerado ou esperado, mas há a presença também de membros do KKK no Governo ou em outras diversas instituições. Lee parece querer equilibrar o retrato da luta contra o racismo dando mais tempo de antena à cultura e luta negras, há uma apresentação e discussão dos filmes de black explotation, há discussões acerca das diversas formas de luta possíveis...
Lee usa o cinema, bem como a história do cinema, para contar a sua história, e usa The Birth of a Nation para ilustrar o êxtase do racismo. O cinema vende, mas também doutrina, e aqui Lee parece querer mostrar que pode usar o cinema de forma aparentemente menos doutrinária e dar-nos um filme que escorregando para a comédia, lida com assuntos tão divertidos como violência policial, racismo, abuso de poder, e fá-lo de forma objectiva. Ao nos dar uma história dos anos 1970 e terminar com imagens de 2017, Lee parece dizer que a realidade pouco mudou, que os problemas raciais continuam na ordem do dia. Não precisamos neste sentido de ver o que já vimos vezes sem conta, não precisamos de ser doutrinados, precisamos somente de abrir os olhos, que pode ser assustador, e agir. Aliás, a vitória de Ron dura muito pouco tempo, as pressões são diametralmente opostas ao tamanho das vitórias, a cultura, o respeito pelo outro, as mudanças demoram tempo a consolidar-se. Farto de pregar isto, Lee dá-nos uma história que fica a ressoar.

(Ando para aqui a remoer um texto sobre o humor em dois filmes de guerra, Stalag 17 e The Great Escape, e é difícil fugir à discussão do papel do humor neste filme, de que forma o humor transforma o modo como recebemos o filme no seu todo? Sem humor este filme seria bastante diferente. Lee está a rir dos racistas? Está a dar-nos uma visão, humana e ainda assim optimista, da luta racial?)




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