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segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020

Dersu Uzala


Um filme russo escrito e realizado por um japonês? Após um falhanço comercial (Dodeskaden) no seu Japão natal e das dificuldades consequentes em financiar os seus próximos projectos, que o levou quase ao suicídio, Kurosawa vai filmar Dersu Uzala à União Soviética, com promessas de total liberdade para o fazer.
O resultado é uma obra-prima, vencedora do Óscar para Melhor Filme Estrangeiro em 1976.



O filme é a adaptação de um livro de aventuras biográfico, que Kurosawa leu em adolescente e que tentava adaptar há anos, conta a história da amizade do capitão Vladimir Arseneiev, explorador nas regiões da Sibéria, com Dersu Uzala, um mongol, habitante da estepe. Um representante do mundo moderno aprende, surpreende-se, é discipulado por um velho que vive na e da natureza. O relacionamento entre os dois é o relacionamento entre mestre e discípulo, uma lição “ecológica” e humanista, Arseneiev aprende o estilo de vida de Dersu, que vive do que a natureza lhe dá, que a respeita, que fala com os seus elementos, os soldados riem quando o velho mongol fala com o fogo, o vento ou com o tigre, tudo na natureza é um ser com quem se pode dialogar. Mas um homem que mais do que modificar a natureza pelas suas necessidades, a usa em equilíbrio, e a sabe ler, Dersu vai ser importante para o grupo de homens ao saber quando o nevoeiro se levanta ou quando a chuva pára, um ser que vive à mercê da natureza sabe lê-la para sobreviver, não é apanhado desprevenido. O respeito pelo próximo está presente, por exemplo, na cena em que fabricam uma casa para se abrigarem, mas que deixam para outros, Dersu faz questão de deixar sal, comida e fósforos para o “outro” que por ali possa passar.
Kurosawa filma a estepe, a paisagem agreste e natural como ninguém, a cena em que os dois se perdem e são apanhados pela noite e pelo vento frio e em que rapidamente criam um abrigo é paradigmática, com a luz natural a desaparecer, mas continuamos no jogo de sombras e luz presente em todo o filme. Kurosawa filma os elementos naturais como ninguém, é comum na sua filmografia a presença destes na narrativa, não como algo que acontece, mas como movimentos narrativos, aqui não foge à regra.


Kurosawa filma as aventuras debaixo da ideia de que há um mundo a desaparecer, mais do que o mundo natural, é o mundo daquelas pessoas, o mundo interior, humano, social, animista que desaparece.
O filme termina com a morte de Dersu, incapaz de viver fechado em quatro paredes, incapaz de se adaptar à ausência da natureza numa grande cidade, Dersu sucumbe à ganância humana.
Poucas vezes se filmou a amizade desta forma, por agora, o meu filme favorito de Kurosawa, deixando Os Sete Samurais em segundo lugar!




terça-feira, 4 de fevereiro de 2020

The Third Man

Li O Terceiro Homem de Graham Greene há mais de 20 anos, não sei se o sentimento que me deixou (acho-o mediano e o final expectável) foi resultado da qualidade do mesmo ou de desilusão ao lê-lo após O Fim da Aventura (esse sim foi uma revelação).
Acho que já vi parte do filme posteriormente, mas sem grande atenção, a atenção que merece.

Na Viena pós Segunda Guerra Mundial, Martins tenta descobrir a verdade sobre a morte de Harry Lime, com quem se ia encontrar, tentando descobrir quem é, se é que há, o terceiro homem na cena do crime de que ouviu falar.
O que me interessa menos em O Terceiro Homem é a trama, o que não quer dizer que esta não esteja bem urdida, que o mistério que se desvela seja essencialmente uma história de ambivalente moralidade, por parte de todos os protagonistas. Anna ama Lime apesar da sua natureza e práticas, Martins cai por Anna apesar dos sentimentos desta por Lime, e Lime está morto e nunca amou ninguém senão ele mesmo.
O que realmente me cativou foi a ambiência, a profundidade do preto e branco, a banda sonora (Anton Karas), o negro e as luzes, os planos citadinos e subterrâneos, as sombras, as vozes, o gato, o belíssimo plano final, sem palavras, em que Anna caminha na direcção de Martins.
E não, não vou, como a esposa pressagiou, demorar muito mais tempo a escrever sobre esta obra de Carol Reed. Se me parece que o filme conta a história do livro homónimo, conta-a de forma superior àquela que me lembro de ter lido e isso é culpa do realizador. O estilo, a cromática, a música, a ambiência tudo isso faz de O Terceiro Homem um grande clássico. E depois há as cenas icónicas, a cena final, a fuga final, e outras mais que não descrevo para não tirar prazer a quem veja o filme pela primeira vez.
Há quem lhe tenha chamado o melhor filme britânico de sempre. Vejam-no e tirem teimas.



Blackkklansman de Spike Lee


Blackkklansman de Spike Lee conta a história de Ron Stallworth (John David Washington), o primeiro polícia negro de Colorado Springs, que consegue "infiltrar-se" no Klu Klux Klan, na década de 1970, sendo negro e havendo vontade da organização em conhecê-lo é o detective Flip Zimmerman (Adam Driver) que toma o seu lugar, mantendo-se Ron como a mente e voz por trás da infiltração. A voz é motivo para várias piadas ao longo do filme, porque os supremacistas acham que conseguem identificar um negro seja pela voz, seja pela forma de falar.
Spike Lee realiza um filme sui generis na forma como trata a história, há uma série de coisas habituais em filmes sobre racismo que Lee não faz, há um caminho que acaba por não percorrer e o filme não perde com isso, pelo contrário. O que quero dizer com isto?
Ao terminar o filme pensava em Mississipi Burning que revi há uns meses, filme sobre crimes raciais, em que o background de criminosos e polícias é escalpelizado, há uma atenção à descrição da maneira de pensar, da "racionalização" por trás do racismo na mente do racista, o Sul racista é-nos tanto apresentado como definido. Mesmo The Green Book parece-me mais formatado, tanto na escrita, como nos momentos de humor, é mais expectável. Ora, Spike Lee perde algum tempo com a descrição psicológica das personagens, maioritariamente através das imagens, cabe ao espectador defini-las, mas não perde tanto tempo com a explicação do acto, antes filma-o em diversas nuances, há o racismo para com negros, mas também contra judeus, há o racismo explícito, mas também o velado, há o racismo presente nas forças policiais, mais ou menos tolerado ou esperado, mas há a presença também de membros do KKK no Governo ou em outras diversas instituições. Lee parece querer equilibrar o retrato da luta contra o racismo dando mais tempo de antena à cultura e luta negras, há uma apresentação e discussão dos filmes de black explotation, há discussões acerca das diversas formas de luta possíveis...
Lee usa o cinema, bem como a história do cinema, para contar a sua história, e usa The Birth of a Nation para ilustrar o êxtase do racismo. O cinema vende, mas também doutrina, e aqui Lee parece querer mostrar que pode usar o cinema de forma aparentemente menos doutrinária e dar-nos um filme que escorregando para a comédia, lida com assuntos tão divertidos como violência policial, racismo, abuso de poder, e fá-lo de forma objectiva. Ao nos dar uma história dos anos 1970 e terminar com imagens de 2017, Lee parece dizer que a realidade pouco mudou, que os problemas raciais continuam na ordem do dia. Não precisamos neste sentido de ver o que já vimos vezes sem conta, não precisamos de ser doutrinados, precisamos somente de abrir os olhos, que pode ser assustador, e agir. Aliás, a vitória de Ron dura muito pouco tempo, as pressões são diametralmente opostas ao tamanho das vitórias, a cultura, o respeito pelo outro, as mudanças demoram tempo a consolidar-se. Farto de pregar isto, Lee dá-nos uma história que fica a ressoar.

(Ando para aqui a remoer um texto sobre o humor em dois filmes de guerra, Stalag 17 e The Great Escape, e é difícil fugir à discussão do papel do humor neste filme, de que forma o humor transforma o modo como recebemos o filme no seu todo? Sem humor este filme seria bastante diferente. Lee está a rir dos racistas? Está a dar-nos uma visão, humana e ainda assim optimista, da luta racial?)




segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

Brevíssimas de Cinema

Tenho definitivamente um problema com Jordan Peele.
Não consegui ficar fã de Get Out por considerá-lo uma cópia de Skeleton Key, a ciência é trocada pela magia e o enfoque no racismo é mais vincado no filme de Peele, por isso, o final deixou-me um sabor acre na boca. O que me parecia original afinal revelou-se uma repescagem.
US parece-me um filme superior em tudo ao anterior, boas interpretações, uma banda sonora apelativa, sentido de humor negro, uma visão cáustica da contemporaneidade, o mistério e a estranheza da narrativa, mas o final quase que deita o filme abaixo, é preguiçoso, não faz sentido e, em vez de me surpreender, confirmou-me as dificuldades que tenho com Peele, aprofundadas com os três episódios de Twilight Zone que vi e que me levaram a rever os originais.
Peele faz da raça tema de filmes de terror, o que é salutar, e fá-lo de forma interessante, incomodando o espectador, fazendo-o duvidar da realidade que vê, mas a forma como termina as narrativas irrita-me, parecendo querer puxar um Shymalan a cada momento diminui a qualidade do que criou até aí.


Gostei menos de The Marriage Story do que esperava, o contexto e determinados aspectos narrativos pareceram-me demasiado americanos, explicito, o contexto legal e litigioso é demasiado americano e quase que se torna o centro do filme - tirem os advogados e digam-me com o que ficam. Adam Driver é majestoso na interpretação. Num filme de actores (Liotta e Dern estão excelentes, ainda que me pareça que as personagens são serão do mais complicado que tenham representado, e para ser mais divisor, Scarlett Johanson não me convenceu) ele brilha com fulgor. Não vejo Kramer contra Kramer desde a década de 90, mas parece-me um filme mais equilibrado, realista e objectivo acerca do divórcio. É capaz de ser fruto de anos e anos a ver Bergman, Allen e outros a escreverem e realizarem filmes superiores sobre divórcios e relacionamentos conjugais.

The Two Popes é também um filme de actores, mais entradotes, em que a interpretação, nomeadamente a de Hopkins, pode ser vista mais como envelhecimento do que como arte. O passado de Bergoglio é mais escalpelizado, o de Ratzinger fica-se pela crítica fácil da opinião pública. O gelo germânico e o à vontade sul-americano entram em choque, tanto nos costumes e hábitos, como na visão teológica e nos relacionamentos.
Num filme com tanto para me desinteressar, Two Popes surpreende pelo sentido de humor e definição psicológica das personagens. Um estudo sobre as diferenças entre estes dois homens. 
Um católico dos 7 costados poderá ter bastantes mais problemas com a narrativa do que eu!



sábado, 21 de setembro de 2019

400 golpes

Fomos, no início do mês,a Setúbal, ao Fórum Municipal Luísa Todi, ver Os 400 Golpes de François Truffaut, primeira sessão da nova temporada da Master Class de Cinema de Lauro António, subordinada ao tema Filmes que Amo. Tendo trabalhado em Setúbal, na Ese, nos últimos anos, fico abismado com a ausência de publicidade a este evento (dura há cinco ou seis anos, as sessões são semanais!); descobri-o por acaso numa entrevista a Lauro António num dos podcasts que sigo. (Sempre às segundas-feiras, às 21h. 
Os 400 Golpes é a primeira longa metragem de François Truffaut, de 1959, uma das obras impulsionadoras da Nouvelle Vague francesa.
O filme conta as aventuras e desventuras de Antoine Doinel, um jovem de 12 anos, em casa, na escola e na rua. Antoine vive num apartamento minúsculo com os pais, descobre um caso extra-conjugal à mãe, sofre na escola com um dos professores, que não está para aturar a lassidão estudantil, e tenta a sua sorte nas ruas, o que o leva ao pequeno crime e, finalmente, à sua institucionalização.
O filme tem um tom cómico, decorrente das situações, mas não se fecha nele. A parentalidade falhada, mas também o falhanço da vida adulta, seja de pais e professores perante as crianças, seja perante os seus próprios sonhos, mas também dos casais entre si, é uma das temáticas proeminentes. Pais que não têm tempo, e amor, para os filhos, casais que se vão distanciando, a vida moderna e citadina como uma razão para tudo isto, o pai sugere a determinada altura que se mudem para o campo, talvez não seja sem querer que o final é campestre, marítimo, longe da cidade, abrindo uma nova oportunidade de vida para Antoine - numa longa fuga que termina no mar, com Antoine a molhar os pés e a olhar directamente para a câmara.
Há outras duas cenas que me ficam na retina, as caras das crianças a ver um teatro de fantoches e a entrevista da psicóloga a Antoine. Na primeira, espantosa a forma como a câmara filma aquele deslumbramento infantil perante o simples e recorrente teatro manual; uma infância deslumbrada que corre o risco de cair na armadilha em que Antoine caiu, a morte do deslumbramento perante a rigidez de uma escola sem imaginação e de uma parentalidade ocupada. Aliás, Antoine tenta encontrar abrigo no cinema e nas feiras e salões de jogo, uma fuga em direcção a esse deslumbramento negado, também em casa, com algumas poucas excepções.
Na segunda cena, a entrevista é vista da posição da médica, com Antoine a olhar para a câmara, para nós, deixando-nos indecisos perante a veracidade das suas afirmações, estará a dizer a verdade ou a enganar a psicóloga? Eu diria que ambas as coisas.
Esta foi a cena que mais me impressionou, porque dizendo a verdade ou não, Antoine arraiga o filme na realidade, fala de abortos, de prostituição, de nascimentos fora do casamento, do final destes, uma visão realista, duas vezes a preto e branco, da sociedade francesa do seu tempo, e é um miúdo de 12 anos que a descreve, preso numa instituição.
Antoine Doinel teria a sua existência continuada em mais 3 longas e uma curta, a última de 1979, 20 anos após a estreia deste filme.
Um grande filme a começar esta Master Class de Cinema.

sexta-feira, 28 de setembro de 2018

Dias Selvagens

Escolho Wong Kar-Wai (de que ainda só tinha visto Disponível para Amar) e vejo Dias Selvagens.
Dias Selvagens é um filme parecido (no que à realização diz respeito) a Disponível para Amar. Há, inclusive, sets extremamente parecidos, e a entrada em cena, no fim, de Tony Leung é a cereja em cima do bolo.
Há outras marcas típicas, o existencialismo que prende e paralisa as personagens, a forma sui generis de realizar, o andamento lento, mas seguro, e os comentários pessoais de algumas personagens.
O que para algumas pessoas será um filme chato, mais do que os de Manoel de Oliveira, para outros é uma pérola. Ainda que tenha gostado mais de Disponível para Amar, também gostei deste, e a vontade de ver o resto da cinematografia está mais cristalizada.
A História
Leslie Cheung é York, um homem fechado em si, que tenta, a todo o custo, que a mãe adoptiva lhe diga quem é a sua mãe real. Algo que ela sempre foge. York vive no meio de mulheres, gosta de ser o centro delas. Não há aqui amor, mas uma noção narcísica, antes. Já que acaba por as trair, vez após vez.
So Lai-Chun (Maggie Chueng), apercebe-se disto, que York só gosta dele mesmo e acaba por fugir dele, e esquecê-lo (tentar). Inicia uma relação platónica, que nunca se irá concretizar, com um polícia (Andy Lau).
York continua a sua senda pelo universo feminino, e inicia uma relação com Mimi. Também esta será terminada, mas terá que resolver a atração que um amigo de York (Jacky Cheung) sente por ela.
Pontos de interesse:
Qual é o objectivo do filme? Não me parece que haja outro que não o de mostrar o existencialismo de uma forma cinzenta. O que comanda o filme são as emoções humanas, as lógicas e as menos lógicas.
Não há finais felizes, cor-de-rosa. Não há moralismos. O fim de York é comandado por uma mulher, o que não deixa de ser irónico, já que ele acaba por fugir delas ao longo de todo o filme, perseguindo só a sua verdadeira mãe.
E este poderá ser um dos maiores problemas para alguns dos espectadores. Kar-Wai não é comercial, antes doloroso, mastigado e negro.
Mas Dias Selvagens lembra-me um outro aspecto, a arte de contar uma história. Hollywood sabe contar histórias, infelizmente, muitas vezes, ficam para segundo plano.
Dias Selvagens faz o contrário, não sem um certo esforço por parte do espectador.
Mas não estou a dizer que conta a história de uma forma sequencial, lógica, ordenada, estruturada. Paradoxalmente, o que conta menos aqui é a história, mas antes os sentimentos, as dúvidas dos personagens, mas essencialmente do espectador. Antes de contar uma história é um exercício de montagem, que é exigido a quem o vê.
Outro aspecto a salientar é a forma como os actores se portam. O realizador optou por agarrar em actores conhecidos, com uma certa escola de representação, e fá-los esquecer todos os hábitos e conceitos interiorizados. O filme é nu, cru, e despido de formalismos técnicos que não os da realização e das escolhas dos ângulos. O que merece o aplauso, dirigido, primeiramente, ao realizador, mas também aos actores.
Há outros aspectos a ter em conta, a luz, por exemplo; o temática de tempo, presente na obra; as dificuldades em escolher e os martírios da escolha; o erotismo velado, sem que haja uma única cena de sexo ou mais erótica.
Concluindo, gostei, menos do que a experiência anterior. E considero que não será para todos. De qualquer modo, um filme extremamente interessante. Para quem não gosta de Kar-Wai, esqueçam…

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

Hell or High Water


Hell or High Water (Custe o que Custar) é um dos grandes filmes dos últimos anos e dos melhores de 2016, a nomeação aos Óscares é merecida, está nomeado para Melhor Filme, para Melhor Ator Secundário (Jeff Bridges, no papel do velho polícia Marcus Hamilton), para Melhor Argumento Original e  Melhor Montagem.

Tanner (Ben Foster) e Toby (Chris Pine) Howard são dois irmãos que roubam pequenas dependências bancárias para arranjar o valor necessário para pagar a hipoteca do rancho que pertencia aos pais, e onde foi descoberto petróleo.

Hell or High Water é um filme actual, uma fotografia de uma certa América, em que o inimigo é um banco (!), que não entra em pregações desnecessárias, mas mostra, mais do que o lado humano, presente na figura dos dois protagonistas, o lado geográfico e social, os planos do Texas, marcados pela exploração de petróleo, pelas planícies vazias, pela vida diária das pequenas populações, pelos bancos e placards/posters publicitários das ofertas de empréstimos. O filme mostra a realidade de uma América longe da prosperidade, numa terra de ouro preto, conquistada não já pelos brancos, mas pelos bancos.

O Texas que nos é apresentado já não é o dos westerns, das planícies que prometiam nova vida e riqueza, mas o de uma América mal acordada de um sonho mau, em que o american way of life parece estar a escapar entre os dedos. Hamilton brinca maliciosamente com o índio, seu parceiro, em diversas conversas, continuando a "luta" entre brancos e índios.

O elenco e as interpretações são sólidos, há momentos deliciosos, por exemplo, o primeiro assalto, com um velhote a sacar da arma, a cultura de armas americana, ainda para mais no Texas, é deliciosamente ilustrada nesta e noutras cenas; Jeff Bridges irrita (no melhor dos sentidos) como Marcus Hamilton, um polícia a dias da reforma, que fala como se tivesse a boca cheia de favas, vencendo o round interpretativo no confronto final com Chris Pine. Há momentos ilustrativos da cultura texana e dos problemas dessa região, o Rock evangélico a soar na rádio, os casinos.

Não é um fime sujo, mas não tem a estética limpa de outros, os assaltos são realizados de forma pouco artística, sem grandes coreografias- É road movie cru, com ligeiras incursões ao ambiente de Cormac McCarthy, ligeiramente violento, mas conciliador, não é moralista, mas acredita em segundas chances, o que é um risco. Corria o risco de glorificar a violência, ou a ideia de que os meios desculpam os fins, não o faz de forma efectiva, opta por valorizar os laços entre os dois irmãos, criticar a acção dos bancos na vida dos cidadãos comuns, culminado na tentativa de criar algo bom e duradouro.
É um belíssimo quadro melancólico, doce-amargo, que me concilia com o cinema americano moderno, cheio de efeitos especiais, com pouco conteúdo ou com muito estilo e pouco conteúdo.
Altamente recomendado.







"I have been poor all my life. My parents and their parents before them, is like a disease, passing from a generation to generation (...) and now my boys, not anymore."