sábado, 21 de setembro de 2019

400 golpes

Fomos, no início do mês,a Setúbal, ao Fórum Municipal Luísa Todi, ver Os 400 Golpes de François Truffaut, primeira sessão da nova temporada da Master Class de Cinema de Lauro António, subordinada ao tema Filmes que Amo. Tendo trabalhado em Setúbal, na Ese, nos últimos anos, fico abismado com a ausência de publicidade a este evento (dura há cinco ou seis anos, as sessões são semanais!); descobri-o por acaso numa entrevista a Lauro António num dos podcasts que sigo. (Sempre às segundas-feiras, às 21h. 
Os 400 Golpes é a primeira longa metragem de François Truffaut, de 1959, uma das obras impulsionadoras da Nouvelle Vague francesa.
O filme conta as aventuras e desventuras de Antoine Doinel, um jovem de 12 anos, em casa, na escola e na rua. Antoine vive num apartamento minúsculo com os pais, descobre um caso extra-conjugal à mãe, sofre na escola com um dos professores, que não está para aturar a lassidão estudantil, e tenta a sua sorte nas ruas, o que o leva ao pequeno crime e, finalmente, à sua institucionalização.
O filme tem um tom cómico, decorrente das situações, mas não se fecha nele. A parentalidade falhada, mas também o falhanço da vida adulta, seja de pais e professores perante as crianças, seja perante os seus próprios sonhos, mas também dos casais entre si, é uma das temáticas proeminentes. Pais que não têm tempo, e amor, para os filhos, casais que se vão distanciando, a vida moderna e citadina como uma razão para tudo isto, o pai sugere a determinada altura que se mudem para o campo, talvez não seja sem querer que o final é campestre, marítimo, longe da cidade, abrindo uma nova oportunidade de vida para Antoine - numa longa fuga que termina no mar, com Antoine a molhar os pés e a olhar directamente para a câmara.
Há outras duas cenas que me ficam na retina, as caras das crianças a ver um teatro de fantoches e a entrevista da psicóloga a Antoine. Na primeira, espantosa a forma como a câmara filma aquele deslumbramento infantil perante o simples e recorrente teatro manual; uma infância deslumbrada que corre o risco de cair na armadilha em que Antoine caiu, a morte do deslumbramento perante a rigidez de uma escola sem imaginação e de uma parentalidade ocupada. Aliás, Antoine tenta encontrar abrigo no cinema e nas feiras e salões de jogo, uma fuga em direcção a esse deslumbramento negado, também em casa, com algumas poucas excepções.
Na segunda cena, a entrevista é vista da posição da médica, com Antoine a olhar para a câmara, para nós, deixando-nos indecisos perante a veracidade das suas afirmações, estará a dizer a verdade ou a enganar a psicóloga? Eu diria que ambas as coisas.
Esta foi a cena que mais me impressionou, porque dizendo a verdade ou não, Antoine arraiga o filme na realidade, fala de abortos, de prostituição, de nascimentos fora do casamento, do final destes, uma visão realista, duas vezes a preto e branco, da sociedade francesa do seu tempo, e é um miúdo de 12 anos que a descreve, preso numa instituição.
Antoine Doinel teria a sua existência continuada em mais 3 longas e uma curta, a última de 1979, 20 anos após a estreia deste filme.
Um grande filme a começar esta Master Class de Cinema.

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