domingo, 26 de julho de 2020

Nada. Nenhuma ideia. Nenhuma vontade de escrever sobre o que já escrevi. Os mesmos temas, as mesmas palavras, os mesmos jogos de palavras. A mesmice coisa. Já ouvi elogios de leitores profissionais, de professores que fazem da vida a dissecação do texto. E então? Poucos os leram, e esses tantos passaram por cima da minha vontade de ler, não tanto de escrever. Prefiro ser entretido a entreter, as pessoas são difíceis de contentar e, enquanto resultado, o da leitura é mais garantido.
Não será somente uma questão de preguiça, mas de perfeccionismo, e este dá trabalho. Tenho histórias começadas e abandonadas, falta-me o jeito, a arte e o empenho para dar corpo às ideias, não é algo que consiga fazer em três tempos, o que me atrapalha a vontade. Escrevi diversos textos curtos, eram a minha praia, mas até esses tenho abandonado.
E até a leitura tem mudado, obviamente, leio mais lentamente, preciso de maior concentração, os livros que lia com prazer entediam-me, aqueles que pouco me interessavam hoje são dos meus predilectos.
Continuo a ter uma predilecção pelo sexo dos anjos, pela metalinguagem ou pela metaliteratura, i. e., pelo (falso) diário, ou pela ficção com fronteiras esbatidas, gosto do Vila-Matas. Um amigo, livreiro, dizia que havia gostos para tudo, mas que eu era dos poucos que comprava religiosamente os livros dele. Não gosto de todos, se calhar falta-me cultura e conhecimento para compreender e ultrapassar a questão do gosto, talvez não sinta o golpe de asa em alguns deles, ou talvez não sejam vários livros, mas capítulos de uma obra contínua e, como sabemos, há capítulos mais interessantes do que outros.
Há depois as idiossincrasias, conheço gente que devorou com gosto livros que me obriguei a ler, para chegar ao fim. Gostámos da mesma obra, mas o caminho que fizemos foi diferente. Acho piada a isto, quando dava aulas tinha sempre uma lista de livros para os alunos, eles tinham de escolher um e fazer uma apresentação com base na leitura do mesmo. Durante anos tinha um livro pequenino, o Morreste-me do José Luís Peixoto, era o campeão dos calões, com pouco mais de 50 páginas, para quem não gosta de ler era uma tentação certa. O livro é um exorcizar da morte do pai, é um acerto de contas com a falta que o pai faz ao narrador, com a morte, a ausência, a dor. Quantas vezes ouvi, "professor, tramou-me, escolhi o livro mais pequeno, mas a leitura doeu-me, chorei, pensei no que me acontecerá quando o meu pai morrer". Sorria, o objectivo fora cumprido, a leitura mexera com eles, embarcaram nela com uma falsa ideia de facilitismo e encontraram um caminho que lhes pediu acção. Foram a pensar que a rapidez e apatia eram dados adquiridos e foram apanhados na curva, muitos não se estamparam, continuaram a viagem, com nódoas negras, mas ainda assim...
Não me lembro do início do texto, ando assim, termino com uma leitura, O Último Barco de Domingo Villar, um policial com 800 páginas, em que nas primeiras 630 nada acontece!Ou melhor, acontece tudo o que é importante num romance, entretecem-se as vidas das personagens, as suas idiossincrasias, lê-se a acção narrativa, mas também a acção interior, dá-se pistas ao leitor, muitas delas falsas. Mas o que me cativa é perceber a arte de um autor que narra as vidas exterior e interior da sua personagem, do seu inspector, que demorou oito anos a escrever o livro, oito anos a escrever vidas, ficcionais, mas vidas.
Já perceberam o desejo de ser leitor? Oito anos debruçado sobre uma obra... Ainda não é para mim.

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