segunda-feira, 27 de julho de 2020

A semana passada passámos o fim de semana com um casal amigo, ela foi minha colega de licenciatura. No domingo, depois de algumas horas de conversa, algumas delas focadas nas aventuras e desventuras do curso, nas pessoas que nos acompanharam nessa viagem, ela dizia "não sei quem é, há mais de vinte anos que não pensava nisso".
Neste sentido, sou português, vivo com a memória, algumas delas são tão vívidas que duvido que já não as tenha alterado definitivamente, há caras e nomes que não associo, a uma foto de alguém que deveria reconhecer sem dificuldades o meu cérebro cancelou momentânea, mas definitivamente, as sinapses. Se saudade é um termo português e provavelmente uma acção muito nossa, reconheço-me nesse escarafunchar das gavetas da memória.
O papel da escola, num sentido mais lato, nestas gavetas parece-me óbvio, estive na escola até aos 35 anos, como aluno e professor, e a determinada altura nas duas valências. Muita da minha experiência de vida, grande parte dos meus amigos vieram dali. A postura e forma de dar aulas foram uma reacção e uma acção empática relativamente às experiências enquanto aluno. Tentei ignorar e exorcisar aquilo que experienciei como mau ou fraco, tentei imitar as atitudes e modelos pedagógicos que admirei, sem nunca deixar de ser eu. E ainda assim a sala de aula mudou-me, passei a falar mais, a reagir mais rapidamente e a interromper mais!
Escrevi logo no início que vivia com a memória, tinha escrito inicialmente "na memória", mas pareceu-me desadequado, esta segunda proposição parecia indicar uma passividade minha relativamente à memória, um domínio desta relativamente à minha vontade, à minha prática e acção. Não vivo consumido pelas memórias, mas estas acabam por interagir com o meu presente, serem desencadeadas pela espuma dos dias.
Às vezes não me lembro do contexto, do "público", até do que aconteceu depois, mas somente de um ou dois segundos, não tanto da acção, mas do sentimento que ficou associado a uma imagem, que pode e será já uma interpretação minha, a consolidação de algo não muito consciente, mas que a mente foi trabalhando e solidificando também imageticamente.
A prova de que a memória é demasiado subjectiva para se nela confiar são as conversas que já tive com duas ou três pessoas que privaram comigo, que conversaram sobre episódios e pessoas, que demonstraram terem estado lá e eu que não as reconheci, confirmei a veracidade dos relatos, percebi o afecto com que me tratavam, mas a minha mente apagara-as, nem uma luzinha.
Quem me conhece melhor já não estranha, eu ainda vou tentando perceber, mas sem grandes esperanças.

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