terça-feira, 5 de novembro de 2019


Os Respigadores e a respigadora, Agnès Varda (2000)
Gosto dos documentários de Varda, são sempre idiossincráticos, versam sobre o tema mas não se prendem a este, se Varda encontrar algo que valha a pena pensar ou filmar fá-lo sem constrangimentos e o final deste filme é disso exemplo, quando filma as aulas gratuitas de alfabetização de um homem que encontrou na rua a procurar e comer os restos deixados após o mercado.
O filme baseia-se no acto de respigagem, acto referido e permitido no código penal e em éditos do século XVI, como bom protestante relembro-me da lei mosaica que também o previa e da história de Rute e Noemi.
Agnès filma os respigadores sobreviventes à entrada do século XXI, no campo poucos são os que ainda persistem, seja por ignorância da lei, seja por proibição dos donos das explorações.
Da apanha da batata, às vindimas, às diversas frutas, passando pela produção de ostras, a câmara de Varda filma as dificuldades daqueles que seriam beneficiados pelo acto da respigagem, respigando também ela coisas nesse processo, imagens, conversas, experiências, duas cadeiras e um relógio sem ponteiros.
A incongruência de se preferir estragar o desperdício (as batatas ou uvas não aproveitadas estão na ordem das toneladas, seja por se obedecer a uma quantidade específica para se fazer parte de uma região demarcada, como no caso do vinho da Borgonha, seja pelo tamanho e aspecto específico para vender em supermercados, que faz com que muitos produtos agrícolas sejam deixados por apanhar ou deitados fora) a matar a fome a quem os podia apanhar é clara.

Agnès dá o ponto e o contraponto, da conversa com os "vagabundos", como lhes chamam os ciganos que moram perto deles, passa para o chef Michelin mais novo em França na altura, de uma cultura de sobrevivência à custa dos restos para restaurante com o menu de degustação a 600 euros, onde o chef também faz a respigagem de produtos para a cozinha. Ambas são experiências de respigagem, ainda que diametralmente opostas na necessidade de quem a pratica.
Mas os documentários de Varda não são somente descritivos, são inquisidores, mente inquieta, a realizadora indaga, persegue, visita, procura compreender, talvez por isso não seja de estranhar que ela pegue na contradição de no campo já não existirem respigadores mas estes abundarem nas grandes cidades, dobrando-se e apanhando comida dos caixotes ou das ruas para sobreviver.
E enquanto o faz, Varda não deixa de se admirar com as pequenas e belas coisas, seja com as batatas em forma de coração que leva para casa e filma, seja para filmar os sinais de velhice e antecipar a morte, a morte que continua a esperar em Olhares Lugares de 2018 com JR, de resto há praias, como nos restantes documentários que vi, e há a câmara a filmar, Varda aproveita os bons e maus planos e brinca com isso.
Há no entanto uma diferença estética este filme para Olhares Lugares e As Praias de Agnès, neste não há uma preocupação estética tão grande com planos, talvez pelo uso maior da handy camera, pelo aspecto "artesanal" das imagens obtidas por esta. Neste sentido, é um filme inferior aos dois documentários referidos acima.
7/10





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