sexta-feira, 9 de junho de 2017

O outro

A versão mais recente de Battlestar Galactica continua actual, acima de tudo é uma série sobre o nosso relacionamento com o outro e a forma como nos relacionamos com o outro quando este nos quer limpar o sebo.
Os Cylons já não são somente robots em lata, mas robots em figura de gente, difíceis de detectar. Os sobreviventes humanos tentam fugir, abrigar-se desta ameaça, mas usam também todos os meios à sua disposição para detectar e exterminar os tão malfadados Cylons. A série incluiu toda uma panóplia de recursos para levar este objectivo a bom porto: torturas (fome, violação, violência física, water boarding), colaboracionismo, populismo, medo, estado marcial, numa discussão ténue entre lei e segurança.
Deixando as questões filosóficas e mais actuais de parte, e mudando a agulha ligeiramente, lembrava-me esta semana, por causa dos textos que escrevi em que a memória ocupa um papel importante, de uma das minhas memórias mais antigas. 
Ainda não andava na escola, o meu pai deixou-me em casa da minha avó, lembro-me de entrar naturalmente e da sala sair uma senhora magra, vestida de preto da cabeça aos pés, com um sorriso natural, que nos beijou, a mim e a meu pai. Era uma tia de visita, não sei quem seria, nem se a vi depois. Era a primeira vez que a via.
Lembro-me de pensar com estranheza na cor da roupa, no negrume que via e que era omnipresente. Apesar das minhas avós vestirem o preto com naturalidade e amiúde. Senti medo, não tanto da velhota, mas da presença cromática dela.
O meu pai despediu-se de mim e fechou a porta, e a velha tia aproximou-se afavelmente de mim. O medo toldou-me e comecei num pranto assustado, numa tentativa de perceber como sairia daquele sítio, defronte daquela presença. Devo ter feito um escarcéu porque o homem não chegou a entrar no carro, a minha avó deve ter ido à janela e ele voltou, boquiaberto com a reacção, penso que sem perceber o porquê daquele estado. Fui com ele não sei bem onde, mas não fiquei ali. O outro meteu- 
-me medo. Não tive tempo ou vontade de compreender ou tentar perceber o outro, fugi da maneira que pude, primária.

Não pretendo verter esta experiência numa qualquer tentativa de entender ou reagir ao presente, é uma experiência que volta e meia me volta à mente. Somos criaturas estranhas por vezes, o medo toma conta de nós e, mesmo perante o familiar, aqui uma parente em casa dos avós, somos reduzidos a uns quaisquer instintos primários.

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