A versão mais recente de Battlestar Galactica continua
actual, acima de tudo é uma série sobre o nosso relacionamento com o outro e a
forma como nos relacionamos com o outro quando este nos quer limpar o sebo.
Os Cylons já não são somente robots em lata, mas robots em
figura de gente, difíceis de detectar. Os sobreviventes humanos tentam fugir, abrigar-se
desta ameaça, mas usam também todos os meios à sua disposição para detectar e
exterminar os tão malfadados Cylons. A série incluiu toda uma panóplia de recursos
para levar este objectivo a bom porto: torturas (fome, violação, violência
física, water boarding), colaboracionismo, populismo, medo, estado marcial, numa discussão ténue entre lei e
segurança.
Deixando as questões filosóficas e mais actuais de parte, e
mudando a agulha ligeiramente, lembrava-me esta semana, por causa dos textos
que escrevi em que a memória ocupa um papel importante, de uma das minhas
memórias mais antigas.
Ainda não andava na escola, o meu pai deixou-me em casa
da minha avó, lembro-me de entrar naturalmente e da sala sair uma senhora
magra, vestida de preto da cabeça aos pés, com um sorriso natural, que nos
beijou, a mim e a meu pai. Era uma tia de visita, não sei quem seria, nem se a
vi depois. Era a primeira vez que a via.
Lembro-me de pensar com estranheza na cor da roupa, no
negrume que via e que era omnipresente. Apesar das minhas avós vestirem o preto com naturalidade e amiúde. Senti medo, não tanto da velhota, mas
da presença cromática dela.
O meu pai despediu-se de mim e fechou a porta, e a velha tia
aproximou-se afavelmente de mim. O medo toldou-me e comecei num pranto
assustado, numa tentativa de perceber como sairia daquele sítio, defronte
daquela presença. Devo ter feito um escarcéu porque o homem não chegou a entrar
no carro, a minha avó deve ter ido à janela e ele voltou, boquiaberto com a
reacção, penso que sem perceber o porquê daquele estado. Fui com ele não sei bem
onde, mas não fiquei ali. O outro meteu-
-me medo. Não tive tempo ou vontade de
compreender ou tentar perceber o outro, fugi da maneira que pude, primária.
Não pretendo verter esta experiência numa qualquer tentativa
de entender ou reagir ao presente, é uma experiência que volta e meia me volta
à mente. Somos criaturas estranhas por vezes, o medo toma conta de nós e, mesmo
perante o familiar, aqui uma parente em casa dos avós, somos reduzidos a uns
quaisquer instintos primários.
Sem comentários:
Enviar um comentário