terça-feira, 7 de agosto de 2018

Deslumbramento

Esta semana, a minha sobrinha mais nova, que pouco diz, mas que toda a gente entende, apontava para a televisão.
A minha mãe tem um serviço de séries e filmes, e enquanto eu procurava algumas sugestões para ela e para o meu pai, a M. aponta para a televisão, acompanhando o gesto com os seus característicos ohhhhhhhhhs. Instintivamente, percebi que apontava para o segmento de filmes infantis, um entre dez opções, o único que lhe interessava. Peguei nela ao colo, e fi-la apontar-me o que queria.
Acedi, e carregando no segmento desejado, apareceram dezenas e dezenas de opções cinematográficas e televisivas para crianças. Imediatamente fez a escolha e lá fiz play num filme de animação.
A M. vê o que lhe agrada na tv num misto de sobriedade e encanto, por um lado fica atenta ao que vê, por outro é incapaz de não apontar e nos tentar guiar a vista para o que nela desperta tal comoção.
Há uns meses, em casa dela, via um concerto do Panda no sofá, eu sentei-me no chão, defronte dela, a olhar para o telemóvel. Os ohhhhhhhhhhhs dela, juntamente com a mão dela a bater-me na cabeça avisavam-me que estava a perder o realmente importante. O meu irmão diz que ela empurra a cabeça ou a face de quem está perto dela de forma a que a pessoa acompanhe o que a televisão debita.
O olhar feliz, surpreso, encantado fez-me lembrar do que aconteceu na primeira projecção dos Irmãos Lumière, em 1896. O filme chamava-se Arrivée d’un train em gare à La Ciotat, e era o que o nome explica ser, uma filmagem da chegada de um comboio. Alguns dos que estavam na sala, fugiram, com medo de serem atropelados pelo comboio. Pânico. Espanto. Novidade. Medo.
Estranhamos hoje a reacção destes primeiros espectadores, toldados e moldados por uma sociedade da imagem, e da imagem em movimento, já pouco nos parece deslumbrar. Estamos dormentes, os nossos olhos cheios de maravilhas que nos entediam suporíferamente.
Perdemos esta capacidade de nos espantarmos com o corriqueiro, com o natural, com o comum, o que seria de esperar; mas também perdemos essa capacidade em relação a tudo o que é incomum, surpreendente, extraordinário.
Perdemos a capacidade de abrir os olhos e ver, de observar.
E depois aparece-me uma meia leca, de sorriso fácil, que me bate na cabeça, querendo partilhar comigo o seu deslumbramento.
Obrigado, sobrinha!


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