segunda-feira, 6 de agosto de 2018

No domingo à tarde, coligi uns apontamentos acerca do livro Inteligência Humilhada do Pastor Jonas Madureira, à noite o telefone tocou com a notícia de que uma das avós da Sara tinha sido mortalmente atropelada. A realidade mudou imediatamente. Dor, espanto, estupefacção, sofrimento, angústia. Não consigo, nem desejo, descrever todas as reacções naturais que vi e vivenciei perante uma morte estúpida, brutal e criminosa. A razão é toldada pela emoção, como compreender ou retirar sentido de um acontecimento destes?
Estar com a família nestes dias, uma família cristã, é pedagógico. Houve dúvidas, houve choro, houve falta de palavras, houve olhares vazios. Ainda há.
Vi a minha esposa como nunca a vi, a morte dos que nos são chegados marcam-nos, transformam-nos, transtornam-nos. Somos engolidos pela saudade, pela separação. O encontro com objectos ou determinadas circunstâncias relembram-nos o chão que desabou debaixo dos nossos pés. As conversas aquecem o nosso coração, ainda que também o dilacerem. Duvidamos da realidade, será tudo um pesadelo? Sentimo-nos dormentes. Sem vontade de comer, sem vontade de dormir. Somos engolidos pela realidade.
Deixem-me fazer uma breve deambulação, provavelmente demasiado prosélita e rápida para alguns.
O cristianismo dá-nos uma antropologia negativa, a ideia de que o homem é mau em si mesmo, isto não quer dizer que não há pessoas boas, ou melhor que não haja pessoas a que tendemos a chamar boas, mas que o homem perante a santidade e justiça de Deus, se quiserem, perante Deus e a sua lei, fica aquém. Não somos maus porque nos achamos maus, mas porque pecamos perante Deus. Não somos nós a bitola, antes (a Lei de) Deus.
A questão que se levanta depois é a da epistemologia, como é que um ser caído, a Bíblia descreve-o como sendo cego espiritualmente, pode conhecer Deus? A Bíblia apresenta diversas vezes este conhecimento como sendo uma consequência da acção divina, não uma acção humana. É Deus quem toma a iniciativa, como diz Madureira no livro indicado acima, nós não nos conhecemos perfeitamente, quanto mais a Deus, só conhecemos Deus através de mediações ou de um mediador, mas Deus conhece-nos perfeita e completamente. O Pastor Jonas indica esta incapacidade de conhecermos Deus como um dos aspectos da Inteligência Humilhada, mas não fica por aqui, explica que Inteligência Humilhada é a união entre razão e fé, não há uma escolha entre um dos caminhos, mas entrelaça ambos, é uma fé que não tem medo de pensar, de duvidar ou questionar; é também a consciência da humilhação da razão que nos faz reconhecer o papel fundamental da fé. “A razão não precisa de morrer, só precisa de dobrar os joelhos.”
O termo Inteligência Humilhada evidencia que o temor e a humildade são o ponto de partida para o conhecimento de Deus. Avançando a eito, haverá sempre uma diferença entre falar de Deus e falar com Deus, e o Cristão verdadeiro pode falar com Deus porque reconheceu a sua insuficiência e a suficiência Dele. Outra marca desta Inteligência Humilhada é “sempre que alguém sente realmente vontade de pedir socorro a Deus, isto é, de assumir a sua própria insuficiência, ele já está sob a graça de Deus.” Luiz Filipe Pondé
Voltemos à experiência dos últimos dias, vi esta Inteligência Humilhada em acção. Como disse, houve dor, espanto, dúvidas, angústia, mas fiz/faço parte de uma família unida, também na dependência de Deus, na confiança na Sua soberania e na Sua Palavra. Eu sei que parece estranho para quem não tem fé.
Vi uma família em lamento, porque o momento era de choro e lágrimas, ainda é; mas como Paul Ricoeur diz, a lamentação é uma oração de confiança em Deus, no entanto, uma confiança que é abalada e depois recuperada. O crente não sorri na dor, não acha que o pranto é um pecado, não é um robot ou alguém que sofreu lavagem cerebral, mas o cristão tem uma fé viva que é, naturalmente, abalada por tragédias, mas que encontra refúgio em Deus.
A esperança que norteava a vida da avó Raquel é a nossa, que em Cristo há vida, não é um estoicismo que nos leva a ter fé, mas a noção de que em Cristo estamos seguros, que a morte de Cristo trouxe vida ao que coloca a sua fé Nele. Vi uma família desolada e destruída, mas que se colocou de joelhos perante a desgraça, que reconheceu a sua insuficiência. Vi uma família que lamentou e lamenta, mas Deus dá-nos a lamentação não só para encontrarmos a esperança, mas também para nos livrar da incredulidade e do cinismo.
Vi a razão de joelhos, dependendo de Deus, da Sua suficiência. Não compreendemos muito, mas confiamos, não uma confiança cega, mas uma confiança num Deus pessoal, que cumpre as suas promessas.
Orem por nós, que Deus humilhe a nossa inteligência e aumente a nossa fé.

13 de julho de 2018

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