sexta-feira, 28 de setembro de 2018

Dias Selvagens

Escolho Wong Kar-Wai (de que ainda só tinha visto Disponível para Amar) e vejo Dias Selvagens.
Dias Selvagens é um filme parecido (no que à realização diz respeito) a Disponível para Amar. Há, inclusive, sets extremamente parecidos, e a entrada em cena, no fim, de Tony Leung é a cereja em cima do bolo.
Há outras marcas típicas, o existencialismo que prende e paralisa as personagens, a forma sui generis de realizar, o andamento lento, mas seguro, e os comentários pessoais de algumas personagens.
O que para algumas pessoas será um filme chato, mais do que os de Manoel de Oliveira, para outros é uma pérola. Ainda que tenha gostado mais de Disponível para Amar, também gostei deste, e a vontade de ver o resto da cinematografia está mais cristalizada.
A História
Leslie Cheung é York, um homem fechado em si, que tenta, a todo o custo, que a mãe adoptiva lhe diga quem é a sua mãe real. Algo que ela sempre foge. York vive no meio de mulheres, gosta de ser o centro delas. Não há aqui amor, mas uma noção narcísica, antes. Já que acaba por as trair, vez após vez.
So Lai-Chun (Maggie Chueng), apercebe-se disto, que York só gosta dele mesmo e acaba por fugir dele, e esquecê-lo (tentar). Inicia uma relação platónica, que nunca se irá concretizar, com um polícia (Andy Lau).
York continua a sua senda pelo universo feminino, e inicia uma relação com Mimi. Também esta será terminada, mas terá que resolver a atração que um amigo de York (Jacky Cheung) sente por ela.
Pontos de interesse:
Qual é o objectivo do filme? Não me parece que haja outro que não o de mostrar o existencialismo de uma forma cinzenta. O que comanda o filme são as emoções humanas, as lógicas e as menos lógicas.
Não há finais felizes, cor-de-rosa. Não há moralismos. O fim de York é comandado por uma mulher, o que não deixa de ser irónico, já que ele acaba por fugir delas ao longo de todo o filme, perseguindo só a sua verdadeira mãe.
E este poderá ser um dos maiores problemas para alguns dos espectadores. Kar-Wai não é comercial, antes doloroso, mastigado e negro.
Mas Dias Selvagens lembra-me um outro aspecto, a arte de contar uma história. Hollywood sabe contar histórias, infelizmente, muitas vezes, ficam para segundo plano.
Dias Selvagens faz o contrário, não sem um certo esforço por parte do espectador.
Mas não estou a dizer que conta a história de uma forma sequencial, lógica, ordenada, estruturada. Paradoxalmente, o que conta menos aqui é a história, mas antes os sentimentos, as dúvidas dos personagens, mas essencialmente do espectador. Antes de contar uma história é um exercício de montagem, que é exigido a quem o vê.
Outro aspecto a salientar é a forma como os actores se portam. O realizador optou por agarrar em actores conhecidos, com uma certa escola de representação, e fá-los esquecer todos os hábitos e conceitos interiorizados. O filme é nu, cru, e despido de formalismos técnicos que não os da realização e das escolhas dos ângulos. O que merece o aplauso, dirigido, primeiramente, ao realizador, mas também aos actores.
Há outros aspectos a ter em conta, a luz, por exemplo; o temática de tempo, presente na obra; as dificuldades em escolher e os martírios da escolha; o erotismo velado, sem que haja uma única cena de sexo ou mais erótica.
Concluindo, gostei, menos do que a experiência anterior. E considero que não será para todos. De qualquer modo, um filme extremamente interessante. Para quem não gosta de Kar-Wai, esqueçam…

quinta-feira, 27 de setembro de 2018

Dizem que os olhos são a janela da alma.
Não sei se serão, provavelmente por descuido e impossibilidade de analisar as almas.
Mas há olhos que nos prendem. Pela forma como enquadram um rosto, pela tristeza ou felicidade que deles emana, pela timidez ou coragem, porque sem olhos seríamos bem menos expressivos.
E lembro-me dela, a entrar na sala, num passo tímido, com os olhos em baixo.
Dela à procura de uma cara conhecida, em vão.
E enquanto ela percorria a sala, os meus olhos tentavam percorrer os seus, ciente de que não me via.
Via o nariz pequeno, bem desenhado, o cabelo castanho, pelo ombro, o vestido justo ao corpo, mas não demasiado justo, e a timidez, que de tão grande a vestia segunda vez.
Ela olhou-me, nos olhos, um segundo, menos que isso. Sentou-se numa das cadeiras, e ali ficou.
Numa folha de papel somos que quisermos, como quisermos. Num conto somos valentes e corajosos. Na vida real, na vida real temos medo do outro.
Fiquei mais algum tempo ali. Olhando para ela, de costas para mim. Imaginando aquilo que poderia ver, se quisesse. Os olhos dela.
Saí, e voltei a casa.
Num conto podemos inventar futuros, realidades, possibilidades. Na vida real amaldiçoamos a cobardia, e os momentos que deixamos passar.

quarta-feira, 26 de setembro de 2018

ícaros

Crio asas
com a possibilidade
de voar
de cair
lá de cima
num ímpeto, como fogo fátuo
apagado
pela areia
pela água
pela força da realidade de outra natureza que não a minha.

Como Ícaro quero fugir,
ir além do presente, voar acima do
pó…
O Sol teme o humano,
queima a alma do falso pássaro
transformando em cinza a falsa ave.

sexta-feira, 21 de setembro de 2018

Southern Bastards


Southern Bastards Vol. 1 – Aqui jaz um homem de Jason Aaron e Jason Latour

A primeira imagem de Southern Bastards (SB) é a de um cão a defecar, e três cartazes de Igrejas atrás dele. Bem-vindos ao Sul, ao Sul dos EUA, ao Bible Belt, estranhamente a Igreja não é o foco, ou sequer alvo da atenção, deste primeiro volume. A religião no Condado de Craw é mais o College American Football do que o cristianismo, ortodoxo ou não, e deus, ou o diabo, está presente na figura omnipresente, mas pouco participativa do Coach Boss.

O cão ladra, numa vinheta avermelhada. O fundo vermelho preenche alguns dos quadrados/vinhetas, marcando a violência, a ira e as memórias.

Earl Tubb regressa à cidade onde cresceu, no Alabama, para esvaziar a casa de um tio. Uma missão rápida que é interrompida quando um dos habitantes da cidade, Rusty, é ameaçado e Earl intromete-se.
“Quanto mais tempo aqui passo, mais me lembro porque fui embora e nunca voltei.”, diz Earl num telefonema, tenta apressar a tarefa, mas a morte de Dusty e uma “mensagem divina” vinda de um raio (até parece que Aaron escreveu o deus do trovão, Thor!) levam-no a deixar de fugir, a tentar fazer justiçapelas próprias mãos, já que o Xerife está manietado.

SB é uma história sobre figuras paternais, dominadoras e sobre a (in)acção a essas figuras. Earl fugiu, da cidade, do pai, preferiu a guerra do Vietname a ser subjugado por uma determinada forma de poder, fugiu sem conseguir fugir da sombra do pai. Também o condado de Craw soçobra sob a sombra de Coach Boss, uma figura nas sombras, presente nas bocas de todas os habitantes, que age em todo o “esplendor” na parte final da história.

Neste primeiro volume entramos em Craw, um condado dominado pela equipa de futebol, que se rege segundo a lei do seu treinador,   dono de toda a cidade e que a domina a seu bel-prazer, incluindo a justiça. SB é sobre apatia, sobre fuga, sobre justiça, não é uma história bonita, o traço de Latour ajuda e de que maneira o argumento de Aaron; o traço não é esteticamente belo, e as cores secas predominam, com o vermelho a saltar-nos à vista em determinadas cenas.  Graficamente, este primeiro volume entra-nos pela retina adentro com violência.

O cão pára de ladrar, de rosnar, de agir violentamente, cheira, simplesmente, a morte, o cão da morte a bafejar.

Aqui jaz um Homem, Volume 1 de Southern Bastards, é editado pela G. Floy Studio, custa 9.99€.

Altamente Recomendado

terça-feira, 18 de setembro de 2018

Inteligência Humilhada de Jonas Madureira


Os paradoxos cativam-me, algumas contradições também, já agora, mas ter um título em que uma das coisas que mais exaltamos ou desejamos se encontra lado a lado com uma postura que cada vez menos aceitamos abriu imediatamente o meu apetite.

O que é Inteligência Humilhada?

Na introdução, Madureira diz que o livro é dirigido tanto aos que sacrificam a fé em prol do intelecto, como aos que sacrificam o intelecto em prol da fé, isto é, o termo de Inteligência Humilhada tenta ser um equilíbrio entre dois extremos, o da defesa de que a fé é suficiente para garantir ou avaliar o conhecimento de Deus (fideísmo) e o de que a fé não é necessária para esse conhecimento (racionalismo). Com o conceito de Inteligência Humilhada, Madureira reconhece o papel da fé e da razão para se chegar ao conhecimento de Deus, nas suas palavras, Inteligência Humilhada é então fé que não tem medo de pensar, duvidar ou questionar;  é a consciência da humilhação da razão que nos faz reconhecer o papel fundamental da fé. Madureira trabalha o conceito a partir de cinco autores – Agostinho, Anselmo, Calvino, Pascal e Herman Dooyeweerd.

O primeiro ponto a captar a minha atenção é o da piedade ser uma consequência obrigatória da gratidão e não da inteligência. Tendo como base as Confissões de Agostinho e duas citações de Evrágio Pôntico (“Se és teólogo, vais orar verdadeiramente, se orares verdadeiramente, és teólogo.” ; “A oração é uma conversa da inteligência com Deus.”) defende-se que a teologia só pode ser feita num ambiente de piedade, devoção e amor, ou seja, apenas o regenerado pode amar a Deus acima de todas as coisas, e por isso, conhecê-Lo com profundidade, i.e., há uma   diferença entre falar de Deus e falar com Deus. Madureira, a partir de I Cor. 13:12, inicia a discussão do conhecimento de Deus e do nosso conhecimento por parte de Deus, realçando dois pontos, por um lado, nunca conheceremos Deus completamente, no aqui e agora, mesmo através de mediações ou por causa delas; mas Deus conhece-nos perfeita e directamente.
Se aceitarmos estes pressupostos, então a nossa inteligência já se encontra humilhada, no sentido em que para conhecermos Deus precisamos necessariamente de mediações, nem a nós mesmos conseguimos compreender perfeitamente, no entanto, Deus conhece-nos mais completamente do que nós a nós mesmos. Madureira faz eco do início das Institutas, em que Calvino diz que o verdadeiro conhecimento acerca de nós será sempre fruto da revelação divina e não da inteligência humana. O termo Inteligência Humilhada evidencia o temor e a humildade como os pontos de partida para o conhecimento de Deus.
Packer escreve em Conhecendo Deus, “Preocupar-se em adquirir conhecimento teológico como um fim em sim mesmo, aproximar-se da Bíblia para estudá-la sem nenhum motivo além do desejo de saber todas as coisas é o caminho directo para o autoengano complacente.”
Por isso, quando me conheço a mim mesmo como Deus pretende, o primeiro fruto é a humildade, quando me conhecer bem saberei que devo suspeitar de mim em primeiro lugar.
Madureira termina o primeiro capítulo a diferenciar inteligência de tolice; ainda que tenhamos graus de inteligência diferentes, para o autor, a tolice é inerente a todos os seres humanos. Somos libertos da tolice por uma libertação interior autêntica. Contrariamente ao Platonismo, no Cristianismo o Homem reconhece a sua completa insuficiência e incapacidade para se libertar. “O tolo reconhece que somente um poder infinitamente superior poderá convencer o tolo da sua tolice.”
Acrescentando sentido ao termo, Inteligência Humilhada não é o sacrifício do intelecto, não é a morte da razão, mas o reconhecimento da insuficiência da razão, reconhecimento dado por Deus aos Homens.  “Deus não fala a teólogos, filósofos e cientistas, mas a tolos perdidos em si mesmos.“
“A inteligência não é uma possibilidade, mas, sim, uma realidade, a realidade da criação. A razão humana não deveria ser louvada quando o homem se recusa a humilhar-se diante de Deus. “
“Diante de Deus toda a inteligência criada está sob a condição da humilhação.”

O segundo capítulo continua esta lógica, “O Cristianismo é uma religião que jamais teria passado por nossas cabeças” – C.S.Lewis.
A revelação divina depende de Deus, aquilo que conheço acerca de Deus e dos Seus caminhos é aquilo que Deus revelou, confessar a necessidade de Deus pressupõe já graça. “Sempre que alguém sente realmente vontade de pedir socorro a Deus, isto é, de assumir a sua própria insuficiência, ele já está sob a graça de Deus.” Luiz Filipe Pondé
Ora, se só conheço de Deus o que Este revela, uma das perguntas que se coloca é a da minha capacidade de produzir conhecimento - o autor distingue entre insuficiência e desgraça, ele explica que a insuficiência não é consequência da queda, antes da queda, o Homem já precisava da Graça de Deus para conhecer e agir de modo justo. “A natureza da necessidade mudou, porém, não a necessidade em si.”, Pondé continua, “A teologia cristã nos ensina que a autonomia humana não passa de ilusão, pois o homem foi criado para ser exactamente assim: insuficiente. O que equivale a dizer que o homem é o que ele é, antes e depois do pecado, não porque é um ser sem Deus, mas porque Deus o planejou como uma criatura ´para ele´”.
Se o Homem é uma criatura que deseja Deus, criada para o louvor, com o pecado essa inclinação não desaparece, mas é mal direccionada (Romanos 1:22-23) e choca contra a impossibilidade de conhecer Deus. 
Madureira olha para a natureza através da mediação das Escrituras (Romanos 1:19-21) e conclui que a criação não revela quem Deus é, antes que Deus existe. Hebreus 1:3 e Colossenses 1:15 mostram a diferença entre o carácter pessoal da revelação divina e a impessoalidade da criação, é em e por Cristo que vemos o Pai. A dificuldade em conhecer Deus não está em Deus, mas na nossa incapacidade intelectual caída. O termo teológico é cegueira, o sol pode brilhar, que o cego não o vê.
“A nossa inteligência não foi feita para ser livre. Ela está sempre submissa a alguma cosmovisão. Se Deus não é o Senhor da sua mente, pode ter a certeza de que ela terá outro senhor.” Voltaremos a esta questão no último capítulo do livro.

O capítulo 3 aborda a questão do mal, a Bíblia descreve Deus como todo poderoso e bondoso, realidades diferentes, mas inseparáveis, pode um cristão que acredita neste Deus explicar o problema do mal, ou tentar compreendê-lo a partir da natureza divina? Madureira começa a resposta explicando que o mistério bíblico não é irracional, mas suprarracional, além da nossa compreensão e explicação. Este mistério humilha a nossa razão humana e torna-a mais dependente de Deus.
“A origem do mal é um mistério. O mal não veio de Deus, e ao mesmo tempo não está excluído do seu conselho(...) Depois da questão da própria existência, a questão da origem do mal é o maior enigma da vida e a cruz mais pesada que o intelecto tem de carregar.” Bavinck

Madureira usa 3 preposições:
 1) Deus é todo poderoso;
2) Deus é todo bondoso;
3) O mal está presente no mundo.

Para alguns, estas preposições só podem ser verdadeiras se tomadas individualmente, em conjunto encaram-nas como uma contradição. Para Pannenberg, o criador é omnipotente, isto é, o Deus que tudo criou exerce poder sobre todas as coisas e o que faz é legítimo, porque lhe pertencem.
“O objetivo humilhada ressalta apenas a real condição da inteligência humana, e não a atitude de uma inteligência que se humilha. Não é a humilhação que torna a inteligência humilhada.  Não há como humilhar aquilo que já é, por natureza, humilhado. Ou seja, o homem está sob a condição da humilhação não porque se humilhe, mas simplesmente porque é homem (...) O acto de humilhação não é o que pode tornar os homens humilhados, mas, sim, o que pode torná-los servos, absolutamente obedientes a Deus.”
Por outro lado, Cristo se fez servo, decidindo não se servir da sua omnipotência.
Ou seja, a forma usual do homem lidar com o problema do mal é dizer que Deus não é omnipotente e bom. Madureira reconhece que podemos ficar chocados com Génesis 22,  com o pedido de Deus a Abraão, mas propõe que possamos ler o texto em conjunto com o resto das Escrituras (por exemplo, Génesis 22 + Levítico 18:21+ Deuteronómio 12:31+ Génesis 18:10-15+Génesis 21:2; 22:2).
“A obediência de Abraão é a atitude consciente de alguém que não separa a fé da obediência e que, sobretudo, demonstra confiança, tanto emocional como racional, na Palavra de Deus.”
Deste modo, há duas reacções quando um Cristão reconhece a bondade e omnipotência divinas de Deus mais as consequências da presença do mal no mundo, uma lógica e outra emocional. A lógica é a apologética, que tenta demonstrar como as 3 preposições não são contraditórias; a emocional é a teodiceia, que tenta justificar Deus diante da presença do mal no mundo. Para Madureira, nenhuma das respostas é suficiente para dar uma explicação; antes tenta resgatar o papel e poder da lamentação na vida cristã.
“por que não há mais espaço para a lamentação dos cristãos convictos em nossas liturgias? Por um motivo aparentemente óbvio: medo. A lamentação é atemorizante, causa pavor. Ela destabiliza nossos pressupostos teológicos, nos humilha, nos constrange, afinal nos obriga a dizer o que realmente estamos sentindo e pensando (...) a lamentação é a exposição das vísceras que inutilmente tentamos esconder(...) lamentação é coisa de crente e não de incrédulo, é coisa de gente pecadora, mas também humana, demasiado humana” (Salmo 22; Marcos 15:34)
No dizer de Paul Ricoeur, a lamentação é uma oração de confiança em Deus, no entanto, uma confiança que é abalada e depois recuperada. Deus dá-nos, então, a lamentação não só para encontrarmos a esperança, mas também para nos livrar da incredulidade e do cinismo.

No quarto capítulo, a revelação divina é apresentada como  dando a explicação antropológica adequada à realidade do homem insuficiente.
 “A maravilhosa benção que a revelação divina reserva para aqueles que a conhecem é a grande descoberta de que o Deus das Escrituras revela ao homem não somente o verdadeiro Deus, mas também o verdadeiro homem.”
1      Ninguém pode conhecer-se de modo adequado sem o conhecimento adequado de Deus; ninguém pode conhecer verdadeiramente Deus e ser, ao mesmo tempo, ignorante acerca de si mesmo. Como diz Calvino, no já citado início das Institutas, o conhecimento de Deus abre-nos o entendimento para o nosso auto-conhecimento. O homem só se conhece verdadeiramente depois de conhecer verdadeiramente Deus!
Madureira vai descrever o homem como alma (como um ser faminto por Deus, a fome de Deus é a essência da natureza humana), como tendo um coração (centro da existência humana,o centro do autoengano), como sendo um ser de carne (sinónimo de fraqueza, existencial, mas também moral), de espírito (um ser vivente, dependente de Deus para viver, do Seu Espírito) e que deve ser orientado pelo texto bíblico.

No último capítulo, Madureira volta à questão e importância das cosmovisões, acusando os teólogos de deserção. Acusa-os de traição quando o seu pensamento é controlado por outra coisa que não o criador; se fui criado para servir a Deus, quem é, na realidade, o senhor da minha mente?
Para o autor, o teólogo deve buscar o conhecimento de Deus nos termos que Deus propõe e de acordo com a maneira como ele torna esse conhecimento possível. O teólogo corre o risco de estar cativo de uma cosmovisão não cristã. É o temor a Deus que pode levar o teólogo a ser fiel à Palavra. – Prov. 9:10, o processo de ouvir e aprender a história da salvação opera uma mudança de cosmovisão.
Assim sendo, o teólogo precisa de uma cosmovisão cristã, sendo que uma cosmovisão não é uma mera construção intelectual, antes um compromisso do coração (devoção da mente + devoção das paixões).A cosmovisão é, então, as lentes pelas quais vemos o mundo, sendo que não tem de ser consistente do ponto de vista lógico, pode assentar-se em pressupostos falsos. Responde a 4 perguntas: o que sou; onde estou; o que está errado e qual é a solução? A cosmovisão envolve os nossos sentimentos, entendimento e vontade. Para Madureira, as cosmovisões maioritárias exercem ocupação em 3 esferas – jurídica, educacional e mediática.


Logo, a batalha das cosmovisões é uma batalha pela mente das pessoas.
“A secularização é o resultado da traição dualista da cosmovisao. Em outras palavras, se, de um lado, os cristãos, traçaram uma linha para dividir o mundo em 2, do outro, os secularistas assumiram essa linha e fizeram dela uma espécie de motivo para justificar a irrelevância da cosmovisão cristã para a sociedade como um todo.”
“A teologia não é uma ciência fundamentada na subjetividade de um “sentimento religioso profundo”, mas na capacidade racional que temos de apreender objetivamente a revelação de Deus.”
“Não é uma Palavra que deve se acomodar à mente do teólogo, mas é a mente do teólogo que se deve dilatar para receber a Palavra.”

O fim da Palavra não é o conhecimento bíblico e a perícia teológica, antes estas duas coisas são o meio ordenado para um fim – uma vida radicalmente transformada.



sexta-feira, 17 de agosto de 2018

MEG(a desilusão)

Li o romance Meg de Steven Alten há cerca de 20 anos, entretenimento puro, um Megalodon, um tubarão gigante, ascende da Fossa das Marianas para aterrorizar o mundo. O livro deu origem a seis sequelas, li duas delas.

Ponto de partida - o tubarão é o meu animal preferido, um dos meus sonhos é mergulhar com tubarões e já vi muita porcaria cinematográfica à conta dessa preferência, Tubarão em Veneza, por exemplo, para não falar dos sucedâneos do Sci-Fi Channel e a Shark Week (com tudo o de bom e ultimamente de péssimo que isso implica).

Andei a dormir nestes últimos meses e não me apercebi da desistência/afastamento (whatever) de Eli Roth por Jon Turteltaub. Não sou o maior fã de Eli Roth, mas acho que o estilo do realizador daria alguma eficiência/dinamismo a este filme, de Turteltaub só consigo achar piada ao primeiro National Treasure. Não gosto por aí além de Jason Statham (deve ser uma coisa geracional, querem o quê?), mas pareceu-me uma boa escolha num filme realizado por Roth, já num filme de Turteltaub...

Resumo breve do filme - uma equipa de cientista permite acidentalmente que um Megalodon escape da Fossa das Marianas (primeira hora de filme) e espalhe sangue (já lá vamos) e morte ao longo da costa, até ao embate final (últimos 30/35 minutos).

O problema de Meg, para mim, é a ambivalência, na primeira hora tenta ser uma espécie de Jaws, não vemos grande coisa, vamos vendo o tubarão aos bocados ou somente intuindo (através do sonar, por exemplo); na parte final, tenta ser um blockbuster moderno com esteróides; para mim, não é nem uma coisa nem a outra. A primeira hora de filme é uma seca valente, as personagens são menos densas do que um poster de cartão e consigo ter mais empatia por uma personagem dos Morangos com Açúcar do que com estes tipos. O elenco tem um dos meus actores favoritos, Robert Taylor (Longmire, anyone?), que deve olhar para isto da mesma forma que o Michael Caine olhou para o Tubarão 4, exceptuando o facto de não ser protagonista. Statham é dos melhores, caraças, é o melhor, e isso já é dizer alguma coisa do trabalho dos restantes actores.
A última meia-hora de filme esbanja a possibilidade técnica de um massacre, o filme não tem sangue, o que é brutal! Fazer um filme com tubarões gigantes, e a única cena em que há sangue (digno desse nome) é na cena em que todas as espécies de tubarões (e mais algumas) se alimentam de...(mistério...)

Resumindo, o filme não consegue fazer-nos mexer na cadeira, é demasiado enfadonho, previsível e tenta jogar com o estilo da realização de Tubarão, esquecendo o papel da música, do suspense, da ligação entre elementos e cenas, de criar uma comunidade, por muito pequena que fosse, com que nos importemos. Quando tenta homenagear Tubarão, há uma cena entre uma mãe e um filho, e uma mulher a gritar "shark, shark", é só para nos lembrar que nem todos podem ser Spielberg e que ser genial é uma questão simples, mas não simplista!
Se dispensaram Roth por quererem abarcar um segmento maior de público, no que a mim diz respeito, falharam redondamente, qualquer filme do Scorcese tem mais sangue do que isto; acredito que haja filmes do Oliveira ou do Woody Allen que tenham mais sangue do que isto; passaram de um possível "gore festival" para uma coisa estranhamente hematofóbica.
Um dos meus filmes de tubarões preferidos dos últimos anos, The Shallows, tem uma das mortes mais estupidamente Hollywoodescas e desnecessárias, preparem-se para a morte do Meg neste, ridícula, rápida e anti-climática; pareceu-me que estavam todos com pressa de irem às suas vidas.

Já perceberam, não gostei nem um bocadinho! Vejam, por vossa conta e risco!

terça-feira, 14 de agosto de 2018

The Imperfect Disciple de Jared C. Wilson


O Discípulo Imperfeito foi o primeiro livro Jared C. Wilson que li. Trata-se de um livro de discipulado para discípulos que se reconhecem como imperfeitos; para discípulos que sabem sempre a resposta certa às perguntas de Escola Dominical, mas que reconhecem a incapacidade diária de as colocar em prática; para discípulos cansados de errar e pecar, envergonhados pela aparente perfeição dos irmãos à sua volta.

O meu objectivo com este texto não é fazer um resumo do livro, mas realçar algumas das ideias expressas nele, ideias que não são estanques e que fluem de uns pontos para os outros.

1) Uma das ideias destacadas ao longo do livro, de diversos prismas, é que a graça é, também, para os cristãos, algo que parecemos esquecer no nosso dia a dia.
Apesar de salvos, continuamos a precisar de Deus, da acção do Seu Espírito Santo nas nossas vidas, de olhar para Cristo diariamente. O autor relembra-nos que somos pecadores, mesmo salvos continuamos a pecar, a fazer o que sabemos que Deus não quer que façamos, ou para usar a expressão Paulina, a fazer o que não queremos e a não fazer o que queremos. Somos o que Calvino descreveu como Simul Justus et Peccator.
Esta compreensão pode-nos levar a uma vergonha e apatia espiritual, consciente do meu pecado, posso evitar ir até Deus e pedir perdão; consciente do meu pecado posso perder a alegria da minha salvação.
Wilson alenta-nos ao longo de todo o livro, “Somos o tipo específico de pessoas que Deus procura, o tipo específico de pessoas que Deus usa, que Deus ama.” Deus sabe como somos, Deus conhece-nos melhor do que nós nos conhecemos, Cristo morreu por nós quando nós ainda éramos pecadores! Na escrita de Wilson, devemos trazer Romanos 8 a Romanos 7. O cristão não necessita menos do evangelho do que o não cristão, por isso deve pregar o Evangelho a si mesmo diariamente.

2)  A solução para os meus problemas não está em mim.
O livro é também uma crítica de Wilson à cultura da auto-ajuda. Os livros de auto-ajuda erram ao procurar ajuda e salvação dentro de nós mesmos. Mesmo enquanto crentes, tentamos, de diversas formas, ser os nossos próprios salvadores, a nossa própria medida. Por essa razão é tão importante ouvirmos o Evangelho diariamente.
O Evangelho diz-nos que somos pecadores, que estamos mortos espiritualmente, o que o Evangelho nos diz é que Deus enviou Cristo, que cumpriu a lei, pagou o preço, foi o sacrifício exigido pelo próprio Deus. Está feito/Está consumado. Sou salvo pela graça, por meio da fé. Não preciso de acrescentar nada à obra de Cristo na cruz, no entanto, o que acontece é que em vez de aplicarmos o Evangelho como Evangelho, transformamo-lo em Lei, tornamo-nos legalistas sem que nos apercebamos disso, muitas vezes.

A par desta verdade, devemos perceber que na essência somos consumidores (por isso o sucesso das customer-driven churches que nos colocam num lugar de honra, em que estamos sempre certos, esquecendo-nos de que o Reino requer que neguemos o nosso eu e o crucifiquemos!) A nossa cultura consumista e egocêntrica tolda o nosso pensamento e a acção das nossas Igrejas. A confiança em Jesus só será uma realidade quando formos despojados de todas as nossas confianças, forças, muletas e apoios, quando dependermos somente de Jesus e não de nós mesmos.
Jesus é extremamente misericordioso para os que estão no fundo do poço, só posso ter Jesus se me vir como um perdedor. Aliás, Jesus disse que veio para os que estavam doentes e não para os sãos, não disse? Temos de reconhecer a nossa doença, a nossa incapacidade, enquanto conseguirmos alguma coisa não compreenderemos totalmente a graça e misericórdias divinas.
Como já disse, estamos  habituados a ser o centro da nossa cultura consumista, mesmo que não o compreendamos, tornamo-nos o nosso próprio Deus, vivemos em função dos nossos apetites e desejos. A adoração inverte esse sentido dos nossos corações e da nossa natureza egocêntrica dizendo-nos que Jesus é o centro, Ele é o Rei dos Reis, o objectivo da vida cristã torna-se então ser semelhante a Cristo, dependendo Dele, não de mim.
Avançando, biblicamente falando, o poder da nossa obediência e a fonte da nossa santidade não são os nossos esforços, mas a obra consumada de Jesus Cristo (Filipenses 2:12-13; Efésios 2:10; Romanos 8:30; Hebreus 12:2)
O mesmo evangelho que nos capacita à conversão, é o mesmo evangelho que capacita a nossa santificação. (Tito 2:11-12; I Coríntios 15:1-2)
A nossa obediência comportamental é vã sem um coração cheio de graça – Romanos 11:6; Gálatas 5:16-25

3)  Reconhecer que somos pecadores é algo que o Evangelho pede de nós.
Se lermos o Novo Testamento com atenção, observaremos uma tensão entre a realidade gloriosa que nos espera, glorificados, transformados, sem lágrimas ou dores e a realidade diária neste planeta, em que pecamos apesar de sermos salvos. Colocando de outra forma, somos instados a imitar Cristo e, portanto, a buscar a santificação, conscientes de que ainda pecamos.
Como é que individual e comunitariamente lidamos com os nossos pecados? Reconhecemos os nossos pecados perante Deus e pedimos-Lhe perdão por eles? Confessamos os nossos pecados uns aos outros? Estamos preparados para isso? Estamos habituados a isso? Usamos máscaras perante os nossos irmãos? Usando uma expressão que ouvi pela primeira vez na Tieta, somos “santos do pau oco”?

4) Temos de reaprender a Contemplar.
A nossa cultura é uma cultura da novidade e do efémero, somos atingidos diariamente por novidades atrás de novidades, por estímulos mediáticos, visuais, sonoros que duram muito pouco. A notícia que nos choca hoje amanhã já não é sequer mencionada. A memória de elefante tornou-se uma quimera, uma incapacidade para aquele que está imerso nesta cultura.
Ora, enquanto crentes, corremos o risco de estar sempre à espera de coisas novas e não atentar para aquelas que já conhecemos, que já nos foram dadas. Podemos conhecer Deus e não o conhecer na realidade, olhar para Jesus e não o ver, ouvir o Evangelho e ignorá-lo.
Se o Evangelho é uma prova do amor divino, um convite a irmos e nos entregarmos a Deus, que nos perdoa os pecados confessados e arrependidos, por que é que após a salvação parece que ignoramos este convite e nos escondemos de Deus cada vez que pecamos? Ignoramos o amor, o perdão, a graça e a misericórdia divinas, em vez de nos especializarmos no aprofundamento destes! Jesus expõe a vulnerabilidade da mulher Samaritana não para a envergonhar, mas para cobrir a sua vergonha! As áreas que tentamos “esconder de Jesus” são aquelas em que Jesus está mais interessado, aquilo que mais tentamos esconder Dele é aquilo que Ele quer cobrir de Graça.

“What people revere, they resemble, either for ruin or restauration.” G. K. Beale
O que nos muda é contemplar a glória de Deus, glória esta desnudada no Evangelho. (II Cor. 3:7-11)
Quantas vezes transformamos as disciplinas espirituais em deveres em vez de olharmos para elas como algo que advém do relacionamento que temos com Cristo?
“What if the work we put into our relationship with Christ more directly flowed from our already secured position in Him than from some idea that we´ve got to maintain our spiritual state?” p. 77
Enquanto as doutrinas forem somente conhecimento e não amor em acção, de Deus para mim e de mim para Deus (adoração), continuarei a fugir de Deus, a ser toldado pelos meus pecados e pela vergonha, com medo da ira e da justiça de Deus.

Antes de passar para outro ponto, como é que lemos a Palavra de Deus? É um prazer ou é um dever angustiante? Wilson estabelece a diferença entre ser transformado e aprender algo. Não devo ler a Bíblia somente para aprender coisas, mas para ser coisas. Wilson lembra-nos das passagens que nos falam de guardar a Palavra de Deus nos nossos corações, de nos deleitarmos na Lei de Deus. Meditar, saborear, mastigar a Palavra de Deus. A leitura da Palavra não pode ser algo rápido, sensaborão, um dever cumprido, mas algo que deve demorar tempo, ocupar a minha mente, estar sempre diante de mim para que transforme a minha maneira de ser e de pensar. Citando Lutero, “For the Bible is a remarkable fountain: the more one draws and drinks of it, the more it stimulates thirst.” Tenho bebido? Tenho tido sede?

Uma das perguntas interessantes que Wilson coloca é a de procurar a razão de bocejarmos por causa da Bíblia, por que é que nos entediamos com a leitura da Palavra de Deus? Uma das razões é a nossa educação, aprendemos a ler por dever e pouco por prazer, outra razão é a de não lutarmos para ver a glória de Deus, se é difícil fugimos, desistimos. Empolgamo-nos sempre que vemos o Rocky a correr e a treinar para o combate da sua vida (para o primeiro, vá), mas ignoramos o seu zelo, esforço, suor e sangue. As nossas desistências na leitura da Palavra, a nossa incapacidade de ter prazer e ver a beleza da e na Palavra, nascem do facto de não conseguirmos ver/ouvir/encontrar a glória de Cristo. Romanos 10:14; Lucas 16: 19-31
Contempla, demora-te a ver, a ler, a meditar na Palavra, no Deus que te apresenta, na Sua natureza.

5) Temos de depender mais do que já foi feito do que depender daquilo que fazemos, o que não invalida que tenhamos sido criados para as boas obras.
Fazer da vida cristã uma tentativa de parecer um bom cristão é uma excelente forma de nos tornarmos um cristão terrível. Temos de perceber, antes e depois da fé nos ser outorgada, que a santidade vem não pelo que fazemos, mas pelo que Cristo fez -  a mensagem do Evangelho não é “faz”, mas “está feito”.
Citando Dallas Willard, "a graça não é oposta a esforço, mas é oposta a merecimento.”
Quando nos centramos no Evangelho, menos no que fazemos e mais no que Cristo fez, deixamos de fazer coisas para sermos salvos, passamos a fazer coisas porque somos salvos, Deus torna-se menos um dever e mais um prazer.

6) A oração não é um dever, mas uma prova do meu relacionamento com Deus.
A oração não é algo a que me devo agarrar quando tudo corre mal, mas algo que deve fazer parte da minha vida. (Colossenses 4:2; Mateus 6:6; Marcos 1:35; Efésios 6:18; I Tessalonicenses 5:17)
Wilson diz duas coisas que ressoaram no meu coração. Tendo a ter menos cuidado com a oração porque das actividades que posso fazer é aquela que menos é avaliada pelos outros! Por outro lado,  os resultados de não orar não são sentidos imediatamente.  Touché, mister Wilson!
Wilson continua a desafiar o leitor no campo do relacionamento com Deus. É neste campo que analisa a oração.
Salmos 46:10 -  Quando sou o senhor da minha vida,  não oro a Deus, porque as coisas dependem não Dele, mas de mim. Quando eu percebo e alcanço o quão grande Deus é, quando eu começo a conhecer e a pensar na majestade, poder, amor, paternidade, redenção de Deus e deixo essa contemplação divina mudar a forma como ajo, então a oração passa a ser um acto de adoração, uma resposta à acção de Deus, a minha resposta à iniciativa de Deus.
Wilson coloca esta dificuldade que temos com a oração de uma forma interessante, diz que Deus está mais disponível para ouvir do que nós para falar; Deus persegue-nos melhor do que nós a Ele. Acrescenta que a nossa vida diária comunica onde a nossa confiança está depositada, “oramos” com as nossas palavras e actos diariamente, quer nos apercebamos ou não disso.

7)  A igreja tem de ser o local seguro para sermos pecadores.
O que é que esta frase não quer dizer? Que a igreja vai ser um local de deboche e rebaldaria.
O que é que esta frase quer dizer? Somos demasiado “santinhos do pau oco” dentro da nossa comunidade. Escondemos o nosso EU, usamos máscaras, se é verdade que a nossa fé e os nossos pecado são pessoais, a Bíblia convida-nos a não viver a nossa fé de forma privada; o evangelho é uma refeição em família, é um casamento.
Ora, se a nossa natureza já é atreita a isto, a confessar os nossos pecados uns aos outros, a reconhecer a nossa pecaminosidade, a natureza dos novos media e redes sociais e a nossa participação neles ajuda-nos a manter uma perigosa solidão e uma transparência falsa, o que vemos não é, normalmente, a realidade de alguém, é o que essa pessoa quer mostrar, uma escolha propositada, é uma construção, uma obra de ficcção, não a verdade.
Ora, uma das tendências das nossas igrejas é a adopção das modas da sociedade/culturais, o perigo hoje é sermos espelho em vez de luz.
“Abandoning the reflection of culture and adopting the challenge (and caretaking) of culture will require our churches to think of their ministries less and less as a place where religious goods and services are provided and more and more as “training center where the community is inspired and empowered by the regular preaching of the gospel to follow Jesus, and where it learns how to serve its neighbors and each other in his name.” P. 123
A razão para a Igreja ser o lugar onde pecadores se podem e devem sentir confortáveis é porque o evangelho cria uma cultura de reconciliação – leiam a carta de Filemon. O evangelho reconcilia senhores e escravos, judeus e gentios, para dar dois exemplos rápidos. É uma realidade para Paulo, não é uma possibilidade, é o poder do evangelho, parafraseando, recebe o teu escravo foragido como teu irmão! Trata-o como tal, como alguém que recebeu o perdão total e maravilhoso de Cristo! 
Em passagens como I Pedro 2:9-10 e Actos 4 há uma ideia comunitária, a igreja é uma acção colectiva, os ritmos de Deus tornam-se mais fáceis quando feitos em comunidade.
Os dois ritmos de que já falámos, ouvir Deus na Sua Palavra e falar com Deus em Oração, devem ser praticados também em conjunto, a leitura deve ser feita também numa óptica comunitária, deve influenciar não só a minha vida individual, mas também a vida da minha comunidade. A oração deve ser praticada individualmente, mas também comunitariamente, somos instados a confessar o nosso pecado uns aos outros (Tiago 5:16); a confissão, por muito estranha e difícil que seja, cria uma intimidade comunitária, ao confessarmos os nossos pecados uns aos outros temos oportunidade de partilhar o Evangelho uns aos outros! A confissão de pecados não é uma oportunidade para criticar o outro, ou para nos elevarmos perante Deus e os homens (nunca pequei assim!Sou bem melhor do que este), mas uma oportunidade para nos servirmos uns aos outros, para sermos corpo, dependentes uns dos outros, para sermos uma oficina da graça.
Mais uma vez, como nos relembra Tito 2:1-10, o discipulado não é para o cristão individual, mas para ser experienciado no contexto da uma comunidade da nova aliança.

8) Seremos fortes quando reconhecermos a nossa fraqueza.
 “A graça é mais forte em igrejas profundamente fracas”, uma igreja que está disposta a ser honesta acerca dos seus pecados e fraquezas encontra graça em abundância. Wilson reafirma o seu ponto, uma mensagem de graça atrairá as pessoas, mas somente uma cultura de graça manterá as pessoas. Em vez de querermos ser maiores do que os outros, aprendemos a nos alegrarmos com o crescimento dos nossos irmãos, em vez de acusadores, tornamo-nos advogados de defesa dos nossos irmãos.
Mas também aqui convém avaliarmos a nossa fraqueza comunitária, bem como individual.
“Trials teach us what we are; They dig up the soil, and let us see what we are made of.”
“Every other religion in the world has man in the gutter trying to figure out how to get to heaven; only Christianity has Geaven coming down to the gutter.” Spurgeon

A ironia é que ao nos tornarmos mais e mais como Jesus, tornamo-nos ao mesmo tempo mais e mais os nossos verdadeiros EUS.
Muitas vezes, o sofrimento e o desespero trazem um sentido de vazio às palavras do Evangelho.
Em II Cor. 11 e 12:1-10, percebemos que Paulo sabia o que era sofrer, Paulo descreve as suas dores e fraquezas para que experimentemos quão grande e permeável é a graça de Deus. Para Paulo, menos dele é mais de Jesus. A graça é suficiente para a fraqueza. Como diz Wilson, há maior segurança em Cristo no meio de um mar tumultuoso do que dentro da nossa banheira sem Cristo. A nossa fraqueza não é um problema para Deus, Ele prefere-a, Deus brilha mais através dos nossos menos.
Como já o escrevi anteriormente, Deus não se torna a nossa única esperança até que seja realmente a nossa única esperança.

Atentemos para o Princípio Bíblico, um pouco de fermento, uma pequena semente, as coisas loucas deste mundo, o lugar de morte é lugar de vida.
Porque é que o amor é maior do que a fé e a esperança? Porque a fé (no que Cristo fez) e a esperança (no que Cristo fez e fará) levar-nos-ão à presença de Deus, que é amor.

Concluindo, para Jared C. Wilson, a abordagem errada no discipulado cristão é ensinar a fazer coisas de forma diferente em vez de nos tornarmos diferentes. Como é que nos tornamos diferentes? 
A Lei pode dizer-nos o que fazer, mas não nos pode ajudar a fazê-lo. O Evangelho anuncia-nos tanto o cumprimento da Lei por Jesus como, consequentemente, a liberdade de obedecer à lei sem medo de sermos esmagados por ela.
Cristo fez o necessário para que pela fé sejamos salvos, e o Seu Espírito trabalhará em nós e produzirá fruto (Gal. 5).